Segunda-feira, 29.04.13

 

Tudo está 

no som. Uma canção.

Raramente uma canção. Deveria

 

ser uma canção - com

pormenores, vespas,

uma genciana - algo

imediato, tesouras

 

abertas, olhos

de mulher - centrífuga

ao despertar, centrípeta

 

William Carlos Williams, Antologia Breve, Assírio & Alvim, pág. 73

( selecção e tradução - José Agostinho Baptista)



publicado por omeuinstante às 22:53 | link do post

Quarta-feira, 17.04.13


Pouco me importa.

Pouco me importa o quê? Não sei: pouco me importa.


Alberto Caeiro, Poemas Inconjuntos



publicado por omeuinstante às 22:53 | link do post

Domingo, 14.04.13

O contrário da matéria

            não é o espírito.

O contrário da matéria

            não é a anti-matéria.

O contrário da matéria

                              é o olhar.

 

Pedro Mexia, Duplo Império



publicado por omeuinstante às 19:00 | link do post

Domingo, 31.03.13

 

Chove. Há silêncio, porque a mesma chuva
Não faz ruído senão com sossego.
Chove. O céu dorme. Quando a alma é viúva
Do que não sabe, o sentimento é cego.
Chove. Meu ser (quem sou) renego...

Tão calma é a chuva que se solta no ar
(Nem parece de nuvens) que parece
Que não é chuva, mas um sussurrar
Que de si mesmo, ao sussurrar, se esquece.
Chove. Nada apetece...

Não paira vento, não há céu que eu sinta.
Chove longínqua e indistintamente,
Como uma coisa certa que nos minta,
Como um grande desejo que nos mente.
Chove. Nada em mim sente...

Fernando Pessoa, Cancioneiro



publicado por omeuinstante às 19:03 | link do post

Quarta-feira, 13.03.13


                        Canto V - 60

Mas não sejamos pessimistas. Até os pintores

dizem estar a surgir, por estes tempos,

um cesto cheio de novas cores.

Certos tratamentos químicos contemporâneos têm sido

experimentados à luz do sol,

e esta parece finalmente perceber o progresso.

Em pleno século XXI já não fazem sentido astros teimosos

e autónomos.


Gonçalo M. Tavares, Uma Viagem À Índia, Caminho, pág 229.



publicado por omeuinstante às 00:05 | link do post

Quarta-feira, 06.03.13


Quem não me deu Amor, não me deu nada.

Encontro-me parado...

Olho em redor e vejo inacabado

O meu mundo melhor.

Tanto tempo perdido...

Com que saudade o lembro e o bendigo:

Campos de flores

E silvas...

Fonte da vida fui. Medito. Ordeno.

Penso o futuro a haver.

E sigo deslumbrado o pensamento

Que se descobre.

Quem não me deu Amor, não me deu nada.

Desterrado,

Desterrado prossigo.

E sonho-me sem Pátria e sem Amigos.

Adrede.

Ruy Cinatti, O Livro do Nómada meu Amigo

 



publicado por omeuinstante às 15:17 | link do post

Segunda-feira, 04.03.13


Cansa sentir quando se pensa.


Fernando Pessoa, Cancioneiro
(9-11-1932)
 



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Sexta-feira, 18.01.13

 

Quero que tudo seja unívoco e tangível.

Procuro que todas as coisas possuam o rumor da eficácia

e confluam num único momento de plural sinergia

para a exortação, a exaltação, o extremo.

 

Quero que tudo seja decisivo e incontornável como uma árvore.

Procuro que tudo siga o fluxo da imortalidade

e habite a única vontade possível,

a vontade dos homens.

 

Quero que tudo seja inexorável e autêntico.

Procuro que tudo se firme na infinidade,

a música e o triunfo,

a rebeldia e a luz.

 

Quero que tudo seja abrangente e divino.

Procuro que tudo seja simultaneamente plausível

e impossível, mais do que esperança, paixão,

mais que paixão, amor.


Amadeu Baptista, O Bosque Cintilante, Maia, Cosmoroama, 2008


publicado por omeuinstante às 21:27 | link do post

 

Deus escreve direito por linhas tortas

E a vida não vive em linha recta
Em cada célula do homem estão inscritas
A cor dos olhos e a argúcia do olhar
O desenho dos ossos e o contorno da boca
Por isso te olhas ao espelho:
E no espelho te buscas para te reconhecer
Porém em cada célula desde o início
Foi inscrito o signo veemente da tua liberdade
Pois foste criado e tens de ser real
Por isso não percas nunca teu fervor mais austero
Tua exigência de ti e por entre
Espelhos deformantes e desastres e desvios
Nem um momento só podes perder
A linha musical do encantamento
Que é teu sol tua luz teu alimento
 

Sophia de Mello Breyner Andresen, O Búzio de Cós



publicado por omeuinstante às 12:41 | link do post

Quarta-feira, 16.01.13

Mantinha um fascínio indeciso

uma impressão capaz de proteger

tanto a ordem como a rebeldia

sozinha perante pedidos

agitações e escombros

desligada há muito de motivos

 

José Tolentino Mendonça, Baldios, Assírio & Alvim, pág. 72



publicado por omeuinstante às 22:06 | link do post

Quinta-feira, 27.12.12

Todos os pássaros sossegaram.
As crianças desceram das árvores, guardaram os jogos, 
recolheram a casa. Levanto a cabeça e deixo a voz deambular 
por dentro deste silêncio de água e de estrelas.

A noite está próxima.

Deixo o corpo escorregar na poeira luminosa.
Acendo um cigarro, ponho-me a falar com o meu fantasma.

Longe daqui, a cidade enfeitou-se com os seus crimes de néon, 
com suas traições... ouço hélices de barcos, 
motores... quando um rosto esvoaça ao alcance da mão.

al berto



publicado por omeuinstante às 13:30 | link do post

Quarta-feira, 05.12.12

Sob o olhar atento de António Ramos Rosa, um poema de Pedro Tamen sobre a instantaneidade da palavra e a imediatidade do instante. 

 

E agora: a tua pele.

Revejo: é manso o mar.

E sei que o vento corre e que por ele
se colam no teu corpo lembranças de luar.

Descanso: os teus cabelos.

Entrego: já é dia.

Os caules são serenos, e ao vê-los

no côncavo da mão o sol nascia.

António Ramos Rosa, Incisões Oblíquas, Caminho, pág. 89.



publicado por omeuinstante às 13:00 | link do post

Sexta-feira, 23.11.12

Herberto Helder, 82 anos de vida. Homenagem ao Poeta. 
 

Um poema cresce inseguramente

na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.

 

Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
- a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.

 

E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.

 

- Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
- E o poema faz-se contra o tempo e a carne.




publicado por omeuinstante às 00:18 | link do post

Quinta-feira, 22.11.12

dá-me a alegria, a sem razão nenhuma que se veja,

dou-te alegria, a sem caminhos na clareira,

a de nenhum sinal em terra nua.

dá-me a tristeza, a toda certa sem fronteiras.

dou-te tristeza, a cinza em cinza devastada,

a oiro no silêncio debruada.


por águas me verti, por rios, sementes.

de terra me vestes, a sombra do dia,

o sítio das flechas no corpo, na árvore.

no sossego das chuvas me reparto.

ficas no escuro, nos ramos nos frutos,

embrulho novelo a desajeito.

 

a porta quase aberta diz que me recebes,

quase fechada diz que me visitas.

assim te visite, assim te receba.

nenhuma palavra que o gesto não faça.

de águas me vista, em terra me vertas.

no corpo das flechas o sítio, nos rios.

António Franco Alexandre, Poemas, Assírio & Alvim, pág 290 



publicado por omeuinstante às 14:10 | link do post

Sábado, 17.11.12
Que faria eu sem este mundo sem rosto sem questões
Quando o ser só dura um instante onde cada instante
Se deita sobre o vazio dentro do esquecimento de ter sido
Sem esta onda onde por fim
Corpo e sombra juntos se dissipam
Que faria eu sem este silêncio abismo de murmúrios
Arquejando furiosos em direcção ao socorro em direcção ao amor
Sem este céu que se eleva
Sobre o pó dos seus lastros
Que faria eu eu faria como ontem como hoje
Olhando para a minha janela vendo se não serei o único
A errar e a mudar distante de toda a vida
preso num espaço marionete
Sem voz entre as vozes
Que se fecham comigo.

Samuel Beckett


publicado por omeuinstante às 11:30 | link do post

Terça-feira, 13.11.12

Filhos dum deus selvagem e secreto 
E cobertos de lama, caminhamos 
Por cidades, 
Por nuvens 
E desertos. 
Ao vento semeamos 
O que os homens não querem. 
Ao vento arremessamos 
As verdades que doem 
E as palavras que ferem. 
Da noite que nos gera, e nós amamos, 
Só os astros trazemos. 
A treva ficou onde 
Todos guardamos a certeza oculta 
Do que nós não dizemos, 
Mas que somos.

José Carlos Ary dos Santos (1937 - 1984)



publicado por omeuinstante às 12:30 | link do post

Sexta-feira, 09.11.12

Poema de Ángel González ( 1925-2008). Lindo!

Si yo fuera Dios
y tuviese el secreto,
haría
un ser exacto a ti;
lo probaría
(a la manera de los panaderos
cuando prueban el pan, es decir:
con la boca),
y si ese sabor fuese
igual al tuyo, o sea
tu mismo olor, y tu manera
de sonreír,
y de guardar silencio,
y de estrechar mi mano estrictamente,
y de besarnos sin hacernos daño
-de esto sí estoy seguro: pongo
tanta atención cuando te beso;
entonces,
si yo fuese Dios,
podría repetirte y repetirte,
siempre la misma y siempre diferente,
sin cansarme jamás del juego idéntico,
sin desdeñar tampoco la que fuiste
por la que ibas a ser dentro de nada;
ya no sé si me explico, pero quiero
aclarar que si yo fuese
Dios, haría
lo posible por ser Ángel González
para quererte tal como te quiero,
para aguardar con calma
a que te crees tú misma cada día,
a que sorprendas todas las mañanas
la luz recién nacida con tu propia
luz, y corras
la cortina impalpable que separa
el sueño de la vida,
resucitándome con tu palabra,
Lázaro alegre,
yo,
mojado todavía
de sombras y pereza,
sorprendido y absorto
en la contemplación de todo aquello
que, en unión de mí mismo,
recuperas y salvas, mueves, dejas
abandonado cuando -luego- callas...
(Escucho tu silencio.
Oigo
constelaciones: existes.
Creo en ti.
Eres.
Me basta ).

 



publicado por omeuinstante às 00:02 | link do post

Quarta-feira, 07.11.12

Nas horas baças que pedem um novo renascer, volto-me na direcção do "sítio geográfico vital gravado nos cromossomas". Gesto que me faz sentir, repito-o, que as fragas são firmes, as árvores nascem, a lua é bela, os homens são promessas. "E sinto Paz".


Não sei se vês, como eu vejo.

Pacificado,

Cair a tarde

Serena

Sobre o vale,

Sobre o rio,

Sobre os montes

E sobre a quietação

Espraiada da cidade.

Nos teus olhos não há serenidade

Que o deixe entender.

Vibram na lassidão da claridade.

E o lírico poema que me acontecer

Virá toldado de melancolia,

Porque daqui a pouco toda a poesia

Vai anoitecer.

 

Miguel Torga

Chaves, 6 de Setembro de 1986



publicado por omeuinstante às 15:41 | link do post

Terça-feira, 06.11.12

Uma borboleta no chão

Uma brisa suave
Um raio de sol
Suficientemente fino para te fazer estremecer
Suficientemente longo para te fazer feliz

 

Aqui descansamos, livres e vazios
Neste fim de estação
Neste abraço cálido e final de expansão
Os dedos são lírios que saem das mãos

Esguios, enigmáticos símbolos transfigurados

 

Planta, animal, estrela diurna
E o bafo quente que os envolve 
Porque a vida é
Uma erva, uma explosão, um beijo, uma agonia
Um tempo que nos visita de raspão

 

E ainda assim
Persistimos na ternura das horas 
No prazer de uma boca que se abre
No anoitecer dos cabelos em repouso
Ainda assim persistimos

 

Acordando todas as manhãs
E pela tarde
O riso volta de novo às sombras do verão
Pássaros incorpóreos dos sentidos
Logo empoleirados sobre estes corpos inclinados

 

Porque o tempo
Essa areia esquiva onde brincam os astros
Desdenha dos nossos esforços humanos
E volta sempre
Com o presságio daquela oculta maré primordial

 

Ainda uma vez mais 
A palavra sobre as águas
Os sons ancestrais guardados na carne
Que despontam como trigo estival
Enquanto revelam o prefácio do nosso existir

 

José Ferreira



publicado por omeuinstante às 17:55 | link do post

Segunda-feira, 05.11.12
Canta, poeta, canta! 
Violenta o silêncio conformado. 
Cega com outra luz a luz do dia. 
Desassossega o mundo sossegado. 
Ensina a cada alma a sua rebeldia.

Miguel Torga 


publicado por omeuinstante às 22:02 | link do post

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Sem a música, a vida seria um erro. Nietzsche
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