Quinta-feira, 07.11.13

 

David Mourão-Ferreira (1927-1996)

 

Casas, carros, casas, casos.
Capital
          encarcerada.

Colos, calos, cuspo, caspa.
Cautos, castas. Calvos, cabras.
Casos, casos… Carros, casas…
Capital
          acumulado.

E capuzes. E capotas.
E que pêsames! Que passos!
Em que pensas? Como passas?
Capitães. E capatazes.
E cartazes. Que patadas!
E que chaves! Cofres, caixas…
Capital
           acautelado.

Cascos, coxas, queixos, cornos.
Os capazes. Os capados.
Corpos. Corvos. Copos, copos.
Capital,
           oh! capital,
capital
         decapitada!



publicado por omeuinstante às 21:59 | link do post

Segunda-feira, 27.02.12

Na penumbra dos ombros é que tudo começa

quando subitamente só a noite nos vê
E nos abre uma porta nos aponta uma seta

 

para sermos de novo quem deixámos de ser

 

David Mourão- Ferreira, Obra Poética ( 1948-1988), p. 214 



publicado por omeuinstante às 23:02 | link do post

Sexta-feira, 10.02.12

Nos agudos cristais do cilício da ausência,

em silêncio rebenta, em silêncio, o teu rosto...


David Mourão-Ferreira, Obra Poética (1948-1988), Presença, p. 92 



publicado por omeuinstante às 12:30 | link do post

Terça-feira, 07.02.12

aberta na tua mão.
Podia ter sido amor,
e foi apenas traição.

É tão negro o labirinto
que vai dar à tua rua. . .
Ai de mim, que nem pressinto
a cor dos ombros da Lua!

Talvez houvesse a passagem
de uma estrela no teu rosto.
Era quase uma viagem:
foi apenas um desgosto.

É tão negro o labirinto
que vai dar à tua rua...
Só o fantasma do instinto
na cinza do céu flutua.

Tens agora a mão fechada;
no rosto, nenhum fulgor.
Não foi nada, não foi nada:
podia ter sido amor.

David Mourão Ferreira, À Guitarra e à Viola
(1954-1960)



publicado por omeuinstante às 17:21 | link do post

Segunda-feira, 30.01.12

É quando um espelho, no quarto,
se enfastia;
Quando a noite se destaca
da cortina;
Quando a carne tem o travo
da saliva,
e a saliva sabe a carne
dissolvida;
Quando a força de vontade
ressuscita;
Quando o pé sobre o sapato
se equilibra...
E quando às sete da tarde
morre o dia
- que dentro de nossas almas
se ilumina,
com luz lívida, a palavra
despedida.

David Mourão Ferreira



publicado por omeuinstante às 19:00 | link do post

Quarta-feira, 04.01.12

Há sempre na vigia uma ilha que oscila
entre a gola do Mar e o turbante do céu

 

Mas de todas somente a que se chama Ítaca 

parece a rapariga à espera de eu ser eu

 

David Mourão-Ferreira, Obra Poética, Presença, p.210



publicado por omeuinstante às 13:00 | link do post

Segunda-feira, 12.12.11

Era uma folha pousada

no cotovelo do vento;

e pairava, deslumbrada,

entre morte e movimento.

 

Era uma folha: lembrava,

de tão frágil, o momento

em que a vida ficava

escrava do teu juramento.

 

Era uma folha: mais nada.

Antes fosse esquecimento!

David Mourão-Ferreira, Obra Poética, 1948-1988, Editorial Presença, 2006, p. 109




publicado por omeuinstante às 10:00 | link do post

Terça-feira, 29.11.11

E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos. E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos.
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos.

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos.

David Mourão- Ferreira



publicado por omeuinstante às 10:00 | link do post

Quinta-feira, 18.08.11

Não me digas segredos nessa voz

em que dizes também o que não dizes.
Fica o silêncio ainda mais atroz

depois de entremostradas as raízes.

 

Prefiro que não digas nada, nada.

Que não sejas arbusto nem canção,

mas sombra entreaberta, recortada

por um lívido e breve coração.

 

Já que não podes  dar-me o que eu sonhara

- inteireza de ramos e raízes-,

ao menos dá-me, intacta, a sombra clara

onde se esbatem vultos e perfis.

 

Pois nessa solidão melhor é ter

a sombra que um segredo de mulher.

 

David Mourão-Ferreira, Obra Poética, Presença, p. 68



publicado por omeuinstante às 20:27 | link do post

Sábado, 16.07.11

Desvio dos teus ombros o lençol
que é feito de ternura amarrotada,
da frescura que vem depois do Sol,
quando depois do Sol não vem mais nada...


Olho a roupa no chão: que tempestade!
há restos de ternura pelo meio,
como vultos perdidos na cidade
em que uma tempestade sobreveio...


Começas a vestir-te, lentamente,
e é ternura também que vou vestindo,
para enfrentar lá fora aquela gente
que da nossa ternura anda sorrindo...


Mas ninguém sonha a pressa com que nós
a despimos assim que estamos sós!

 

 

David Mourão Ferreira, Infinito Pessoal ou A Arte de Amar







publicado por omeuinstante às 11:25 | link do post

Terça-feira, 17.05.11

Deixa ficar comigo a madrugada,
para que a luz do Sol me não constranja.
Numa taça de sombra estilhaçada,
deita sumo de lua e de laranja.

Arranja uma pianola, um disco, um posto,
onde eu ouça o estertor de uma gaivota...
Crepite, em derredor, o mar de Agosto...
E o outro cheiro, o teu, à minha volta!

Depois, podes partir. Só te aconselho
que acendas, para tudo ser perfeito,
à cabeceira a luz do teu joelho,
entre os lençóis o lume do teu peito...

Podes partir. De nada mais preciso
para a minha ilusão do Paraíso.

David Mourão-Ferreira



publicado por omeuinstante às 12:22 | link do post

Terça-feira, 29.03.11

Os teus olhos

exigindo

ser bebidos

Os teus ombros

reclamando

nenhum manto...

 

David Mourão-Ferreira



publicado por omeuinstante às 11:40 | link do post

Segunda-feira, 21.03.11

Inscrição sobre as Ondas

 

Mal fora iniciada a secreta viagem,

um deus me segredou que eu não iria só.

 

Por isso a cada vulto os sentidos reagem,

supondo ser a luz que o deus me segredou.

 

David  Mourão-Ferreira, Obra Poética, Presença, p. 27



publicado por omeuinstante às 10:37 | link do post

Segunda-feira, 07.03.11

Todo o dia senti, bem funda em mim,

a tortura do beijo que não demos:

lago sereno, preso num jardim,

saudoso dum nenhum sulcar de remos...

 

David Mourão-Ferreira, Obra Poética, Presença, p. 30

 



publicado por omeuinstante às 19:03 | link do post

Terça-feira, 08.02.11

... As minhas mãos são o teu único vestido!

 

 

David Mourão-Ferreira



publicado por omeuinstante às 10:00 | link do post

Segunda-feira, 31.01.11

Voo

 

Entre os olhos beijar-te

Fazer de tuas pálpebras

 

asas da minha boca

 

David Mourão-Ferreira, Obra Poética, Presença, p.282



publicado por omeuinstante às 20:00 | link do post

Quarta-feira, 05.01.11

 

Quem foi que à tua pele conferiu esse papel
de mais que tua pele ser pele da minha pele

David Mourão-Ferreira



publicado por omeuinstante às 15:12 | link do post

Terça-feira, 04.01.11

Consuma-se o eterno em cada instante

na crença de reservas infinitas

 

Importa mais o vértice da chama

que a cera a consumir ou consumida

 

David Mourão-Ferreira, Obra Poética (1948-1988),Presença, p.354



publicado por omeuinstante às 12:00 | link do post

Domingo, 02.01.11


Deixa ficar comigo a madrugada,
para que a luz do Sol me não constranja.
Numa taça de sombra estilhaçada,
deita sumo de lua e de laranja.

 

Arranja uma pianola, um disco, um posto,
onde eu ouça o estertor de uma gaivota...
Crepite, em derredor, o mar de Agosto...
E o outro cheiro, o teu, à minha volta!

 

Depois, podes partir. Só te aconselho
que acendas, para tudo ser perfeito,
à cabeceira a luz do teu joelho,
entre os lençóis o lume do teu peito...

 

Podes partir. De nada mais preciso
para a minha ilusão do Paraíso.

 

David Mourão-Ferreira, Obra Poética- Infinito Pessoal (1959-1962), Presença, pp.177-178

 



publicado por omeuinstante às 17:26 | link do post

Quinta-feira, 30.12.10

Eu vi a eternidade nos teus dedos!

Eu vi a eternidade, e amedrontou-me

saber, tão de repente, tais segredos.

- Eu não mereci, sequer, saber-te o nome.

 

David Mourão-Ferreira, Obra Poética -1948-1988, Presença, 2006 p. 39



publicado por omeuinstante às 19:11 | link do post

443245.jpeg
Sem a música, a vida seria um erro. Nietzsche
links
posts recentes

Capital

Penumbra

Cilício

A Cor Dos Ombros Da lua

Crepúsculo

Itinerário Grego

Folhas

E por vezes

Soneto de Áspera Resignaç...

Vestes

Junho 2020
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3
4
5
6

7
8
9
10
11
12
13

14
15
16
17
18
19
20

21
22
23
24
25
26

28
29
30


tags

arte

cinema

david mourão-ferreira

educação

estética

eugénio de andrade

fernando pessoa

filosofia

fragmentos

leituras

literatura

livros

miguel torga

música

noctua

pintura

poesia

política

quotidiano

sophia de mello breyner andresen

todas as tags

arquivos

Junho 2020

Maio 2020

Junho 2019

Junho 2018

Maio 2018

Abril 2018

Março 2018

Janeiro 2018

Outubro 2017

Maio 2017

Abril 2017

Março 2017

Dezembro 2016

Novembro 2016

Junho 2016

Maio 2016

Abril 2016

Março 2016

Fevereiro 2016

Janeiro 2016

Dezembro 2015

Outubro 2015

Setembro 2015

Agosto 2015

Julho 2015

Junho 2015

Março 2015

Fevereiro 2015

Janeiro 2015

Novembro 2014

Outubro 2014

Setembro 2014

Agosto 2014

Julho 2014

Junho 2014

Maio 2014

Abril 2014

Março 2014

Fevereiro 2014

Janeiro 2014

Dezembro 2013

Novembro 2013

Outubro 2013

Setembro 2013

Agosto 2013

Julho 2013

Junho 2013

Maio 2013

Abril 2013

Março 2013

Fevereiro 2013

Janeiro 2013

Dezembro 2012

Novembro 2012

Outubro 2012

Setembro 2012

Agosto 2012

Julho 2012

Junho 2012

Maio 2012

Abril 2012

Março 2012

Fevereiro 2012

Janeiro 2012

Dezembro 2011

Novembro 2011

Outubro 2011

Setembro 2011

Agosto 2011

Julho 2011

Junho 2011

Maio 2011

Abril 2011

Março 2011

Fevereiro 2011

Janeiro 2011

Dezembro 2010

Novembro 2010

Outubro 2010

Setembro 2010

Agosto 2010

Julho 2010

Junho 2010

blogs SAPO