Quarta-feira, 19.06.19

Procida, Nápoles


O carteiro de Pablo Neruda é um filme que não esquecemos. Foi na ilha de Procida que ganhou corpo. Há pouco tempo, em Abril, visitei-a. Tendo Neruda como guia, confirmei: Procida é autêntica, ainda. Aqui, “ a claridade está presa”.
Sobre o jovem carteiro não posso falar. Não o encontrei; e não o procurei. Mas a sua alma aprendiz do Amor, da Amizade e das Metáforas, acompanhou os passos deste itinerário.

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publicado por omeuinstante às 16:48 | link do post

Terça-feira, 12.01.16

 

profano, prático, público, presto, profundo, precário,

improvável poema,

contudo

nem eu estava à espera dos bárbaros que viriam devastar

a terra,

porque éramos inocentes,

nós que só queríamos silêncio,

e a voz diria que se fosse preciso traziam Deus,

e é assim possível que trouxessem qualquer espectáculo com

cristos nus e saltimbancos de feira,

 

Herberto Helder, Servidões

 

 



publicado por omeuinstante às 16:25 | link do post

Terça-feira, 29.12.15

 

O dia é alto quando na mesa nada espera que não seja poesia.

 

  António Ramos Rosa



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Terça-feira, 01.09.15

 

3

 

um pensamento branco quase passa

na linha vertical do horizonte

 

a voz dos homens está

deitada no fogo, dormida

adormecida.

 

o chumbo muito lento escorre

na calçada.



publicado por omeuinstante às 22:45 | link do post

Terça-feira, 24.03.15

 

De regresso à terra, lugar de nascimento da poesia e do "poema contínuo".

 

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" Ninguém tem mais peso que o seu canto.

A lua agarra-o pela raiz,

arranca-o.

Deixa um grito que embriaga,

deixa sangue na boca.

Que seja a demonia: - a arte mais forte de morrer

pela música, pela

memória."

Herberto Helder, Poesia Toda, Assírio & Alvim, p.543.

 



publicado por omeuinstante às 20:01 | link do post

Quinta-feira, 19.03.15

Vem dos lados do rio, as mãos fresquíssimas, algumas gotas de água ainda nos cabelos. Com a manhã chega o anónimo respirar do mundo. Um cheiro a pão fresco invade o pátio todo. Vem dos lados do rio: para levar à boca, ou ao poema.

 

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publicado por omeuinstante às 17:46 | link do post

Sexta-feira, 20.02.15

 

cadências, que são dobras solidárias.

 

até dentro da pele.

as aves migram

calmamente. eu

permaneço aqui.

 

Vasco Graça Moura, Poesia 1963/1995



publicado por omeuinstante às 21:46 | link do post

Segunda-feira, 13.10.14

 

algumas horas outras invadiram as sedas, os perfumes

ácidos da louça, não serão recordadas. ou quanto mais

as recordarmos, mais a ignorância deitará

os corpos no tapume de vidros, para que em torno

se conciliem as vontades singulares, as 

particularidades de um impetuoso alarme.

ou seja: deixarão as esplanadas baças, os garfos

encolhidos, para que um amplo destino os atravesse.

considerem, por exemplo o paquete que ao meio-dia

digere as minuciosas palmeiras sobre a

alta insensatez dos aquedutos. ou ainda

a ilusão dos alicates ao lado da água, e o seu reflexo

do outro lado das vidraças: azul, não é?

assim estas algumas outras horas: como esquecê-las?

 

António Franco Alexandre, Poemas, Assírio & Alvim, p.94



publicado por omeuinstante às 23:13 | link do post

Segunda-feira, 06.10.14

 

Antes o vôo da ave, que passa e não deixa rasto,

Que a passagem do animal, que fica lembrada no chão.

A ave passa e esquece, e assim deve ser.

O animal, onde já não está e por isso de nada serve,

Mostra que já esteve, o que não serve para nada.

 

A recordação é uma traição à Natureza,

Porque a Natureza de ontem não é Natureza.

O que foi não é nada, e lembrar é não ver.

 

Passa, ave, passa, e ensina-me a passar!

 

 Poemas Completos de Alberto Caeiro, Companhia Aguilar Editora, 1965, p. 224

Biblioteca Luso-Brasileira - Série portuguesa

 



publicado por omeuinstante às 23:09 | link do post

Terça-feira, 30.09.14

 

para te manteres vivo - todas as manhãs

arrumas a casa sacodes tapetes limpas o pó e

o mesmo fazes com a alma - puxas-lhe brilho

regas o coração e o grande feto verde-granulado

 

deixas o verão deslizar de mansinho

para o cobre luminoso do outono e

às primeiras chuvadas recomeças a escrever

como se em ti fertilizasses uma terra generosa

cansada de pousio - uma terra

necessitada de águas de sons de afectos para

intensificar o esplendor do teu firmamento

 

passa um bando de andorinhões rente à janela

sobrevoam o rosto que surge do mar - crepúsculo

donde se soltam as abelhas incompreensíveis

da memória

 

luzeiros marinhos sobre a pele - peixes

que se enforcam com a corda de noctilucos

estendida nesta mudança de estação

 

Al Berto, Horto de Incêndio, Assírio & Alvim, p. 52



publicado por omeuinstante às 23:02 | link do post

Sexta-feira, 22.08.14

 

O Universo é feito essencialmente de coisa nenhuma.
Intervalos, distâncias, buracos, porosidade etérea.
Espaço vazio, em suma.
O resto, é a matéria.
Daí, que este arrepio,
este chamá-lo e tê-lo, erguê-lo e defrontá-lo,
esta fresta de nada aberta no vazio,
deve ser um intervalo.

António Gedeão



publicado por omeuinstante às 16:09 | link do post

Quarta-feira, 13.08.14

 

Morre, aos 63 anos, o actor Robin Williams (21 de julho de 1951-11 de agosto de 2014).

 

 

 

 

Ó Capitão! meu Capitão! Finda é a temível jornada,
Vencida cada tormenta, a busca foi laureada.
O porto é ali, os sinos ouvi, exulta o povo inteiro,
Com o olhar na quilha estanque do vaso ousado e austero.
Mas ó coração, coração!
O sangue mancha o navio,
No convés, meu Capitão
Vai caído, morto e frio.

Ó Capitão! meu Capitão! Ergue-te ao dobre dos sinos;
Por ti se agita o pendão e os clarins tocam teus hinos.
Por ti buquês, guirlandas… Multidões as praias lotam,
Teu nome é o que elas clamam; para ti os olhos voltam,
Capitão, querido pai,
Dormes no braço macio…
É meu sonho que ao convés
Vais caído, morto e frio.

Ah! meu Capitão não fala, foi do lábio o sopro expulso,
Meu calor meu pai não sente, já não tem vontade ou pulso.
Da nau ancorada e ilesa, a jornada é concluída.
E lá vem ela em triunfo da viagem antes temida.
Povo, exulta! Sino, dobra!
Mas meu passo é tão sombrio…
No convés meu Capitão
Vai caído, morto e frio.

 

Walt Whitman

 

 

 



publicado por omeuinstante às 13:53 | link do post

Terça-feira, 12.08.14

 

 Gerês, 12 de Agosto

 

Aniversário

 

Mãe:

Que visita tão pura que me fizeste

Neste dia!

Era a tua memória que sorria

Sobre o meu berço.

Nu e pequeno como me deixaste,

Ia chorar de medo e de abandono.

Então vieste, e outra vez cantaste,

Até que veio o sono.

 

Miguel Torga, Diário IV, Coimbra (1973), pág 111.

 

 



publicado por omeuinstante às 12:12 | link do post

Segunda-feira, 09.06.14

 

Um profundo exercício sobre a vida e a norma. Um poema inteiro, feito de cinzas e restos. Debaixo da pele, despida de ismos, o poeta deambula entre as trevas e a luz e, no gesto, constrói a esperança de um território primordial - o eu nu. Uma inquietação levada à alma. Sem disfarces: " Esta é a minha Elegia".

 

e só agora penso:

porque é que nunca olho quando passo defronte de mim

                                                                        mesmo?

para não ver quão pouca luz tenho dentro?

ou o soluço atravessado no rosto velho e furioso,

agora que o penso e vejo mesmo sem espelho?

- cem anos ou quinhentos ou mil anos devorados pelo

                                    fundo e amargo espelho velho:

e penso que só olhar agora ou não olhar é finalmente

                                                                 

                                                                  o mesmo

 

Herberto Helder, A Morte Sem Mestre, Porto Editora, p.16



publicado por omeuinstante às 22:23 | link do post

Quarta-feira, 04.06.14

 

José Carlos Ary dos Santos. Nasceu em Lisboa no dia 7 de Dezembro de 1936 e faleceu no dia 20 de Janeiro de 1984.

 

 
Isto vai meus amigos isto vai
um passo atrás são sempre dois em frente
e um povo verdadeiro não se trai
não quer gente mais gente que outra gente.


Isto vai meus amigos isto vai
o que é preciso é ter sempre presente
que o presente é um tempo que se vai
e o futuro é o tempo resistente. 

Depois da tempestade há a bonança
que é verde como a cor que tem a esperança
quando a água de Abril sobre nós cai. 

O que é preciso é termos confiança
se fizermos de Maio a nossa lança
isto vai meus amigos isto vai.

 



publicado por omeuinstante às 13:03 | link do post

Domingo, 01.06.14

 

Um poema de Mário Cesariny

 

Aclamações 
dentro do edifício inexpugnável 
aclamações 
por já termos chapéu para a solidão 
aclamações 
por sabermos estar vivos na geleira 
aclamações 
por ardermos mansinho junto ao mar 
aclamações 
porque cessou enfim o ruído da noite a secreta alegria por escadas 
               de caracol 
aclamações 
porque uma coisa é certa: ninguém nos ouve 
aclamações 

porque outra é indubitável: não se ouve ninguém 



publicado por omeuinstante às 21:13 | link do post

Segunda-feira, 28.04.14

 

Soneto do Amor e da Morte

 

quando eu morrer murmura esta canção
que escrevo para ti. quando eu morrer
fica junto de mim, não queiras ver
as aves pardas do anoitecer
a revoar na minha solidão.

quando eu morrer segura a minha mão,
põe os olhos nos meus se puder ser,
se inda neles a luz esmorecer,
e diz o nosso amor como se não

tivesse de acabar, sempre a doer,
sempre a doer de tanta perfeição
que ao deixar de bater-me o coração
fique por nós o teu inda a bater,
quando eu morrer segura a minha mão.

 

Vasco Graça Moura, in Antologia dos Sessenta Anos 



publicado por omeuinstante às 00:30 | link do post

Domingo, 20.04.14

 

 

Viemos com o peso do passado e da semente

esperar tantos anos torna tudo mais urgente

e a sede de uma espera só se ataca na torrente

e a sede de uma espera só se ataca na torrente

 

Vivemos tantos anos a falar pela calada

só se pode querer tudo quanto não se teve nada

só se quer a vida cheia quem teve vida parada

só se quer a vida cheia quem teve vida parada

 

Só há liberdade a sério quando houver

a paz o pão

habitação

saúde educação

só há liberdade a sério quando houver

liberdade de mudar e decidir

quando pertencer ao povo o que o povo produzir. 

 

 

Sérgio Godinho

(Canções de Sérgio Godinho)

 



publicado por omeuinstante às 18:37 | link do post

Segunda-feira, 10.03.14

 

 

De repente, a chuva parou. Vibram apelos à superficíe lisa.

 

Nas margens, os ramos

aproximam-se das árvores.

 

De costas voltadas, os arbustos

são rosas da planície.

 

Atrás de tudo, está o dia. Relógio qualificado no castigo.

 

Porque não há paz, passam funcionários

passam militares.

 

Porque é preciso reconstruir.

Talvez a Cidade inteira.

 



publicado por omeuinstante às 20:42 | link do post

 

 

Instante

 
Que faria eu sem este mundo sem rosto sem perguntas
Onde o ser só dura um instante e onde cada instante
Transborda para o vazio o esquecimento de ter existido
Sem esta onda onde por fim
Corpo e sombra juntos se anulam
Que faria eu sem este silêncio poço fundo de murmúrios
Curvando-se a pedir socorro pedir amor
Sem este céu posto de pé
Sobre o pó do seu lastro
Que faria eu eu faria como ontem e como hoje
Olhando para a minha janela vendo se não estou sozinho
A errar e a mudar distante de toda a vida
preso num espaço incontrolável
Sem voz no meio das vozes
Que se fecham comigo.


publicado por omeuinstante às 00:05 | link do post

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Sem a música, a vida seria um erro. Nietzsche
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