Quinta-feira, 13 de Janeiro de 2011

Chaves, A feira dos Santos.

(...)

Ainda me lembro muito bem de tudo quanto se passou quando fui, pela primeira vez, a este importante mercado anual. Foi minha avó quem fez questão, afim de que eu fosse.

- É preciso que o meu néto aprecie, desde criança, o que de melhor, neste género tem a nossa terra. Além disso, quero que êle conheça os parentes…

Deveria eu então contar pouco mais de oito anos. Como facilmente se presume, desde que tive conhecimento da boa nova, ardia em ansia por que o dia 31 de outubro chegasse.

O Domingos, como já tinha ido a Chaves, informava-me, pormenorisadamente de tudo. A veiga era imensa, cortada de muitas estradas e caminhos em várias direcções. O rio Tamega, ali no vale, parecia muito mais largo; estendia-se por aqueles lindos campos fóra; dividia a vila em dois bairros e passava por baixo duma ponte muito antiga e muito comprida. As ruas eram empedradas e por elas transitava muito povo e corriam os carros de cavalos. Havia um grande número de casas comerciais, onde se vendiam bonitos brinquedos, fatos, lenços bordados, violas, macacos de chumbo, etc.

- Ah! Chaves é a terra maior que há por estes sitios, afirmava o Domingos, rejubilando com a minha ansia de vêr todas essas cousas de que êle me falava.

(...)

Que imensidade de povo por todas as estradas e caminhos, que em várias direcções, cortam a extensa veiga! – Adiante e atraz do nosso pachorrento carro de bois, só se via gente: era uma caudalosa corrente de sêres vivos; uma enorme multidão que rugia, se movimentava, que coleava e caminhava, sussurrando, até se ir esconder lá em baixo, na entrada principal da vila, entre os muros altos dos primeiros edificios.

Até este dia, nunca eu vira tanto pôvo! Tudo me causava admiração e espanto!...

[...].

Sem dúvida, era Chaves a terra mais bonita destes sitios, ainda mais bonita do que m’a descrevêra o Domingos..

[...].

Como a ponte era grande e brilhavam e fulgiam ao sol as águas do Tamega, que, mansamente, corriam entre as margens alvacentas de areia!

A montante e a juzante, o horisonte alargava-se esplendoroso, até aos contrafortes das serranias, que rodeiam o vale, e o rio espraiava-se por entre os campos luxuriantes, de cujos muros nos sorriam as flôres outônais e as árvores ajoujadas de frutos.

Além da ponte, chegámos ao Largo do Arrabalde, um dos principais pontos da feira anual.

[...].

 

RIBEIRA, João da [pseud. do P.e João Vaz d’Amorim, pároco de Bouçoães (Bouçoais)] – Pelos Povoados da Serra (Aspectos Portugueses). Chaves, Tip. e Papelaria Mesquita, 1935, pp. 157-171

 

Obrigada, Manuel Carlos Patrício.

 

 



publicado por omeuinstante às 12:05 | link do post

2 comentários:
De Anónimo a 13 de Janeiro de 2011 às 12:30
Que tempos!que viagens!


De Renata S. a 13 de Janeiro de 2011 às 14:27
"Sem dúvida, era Chaves a terra mais bonita destes sitios, ainda mais bonita do que m’a descrevêra o Domingos"
Tão vaidosa!


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