A verdade, o mais belo nome da realidade, é uma vagabundagem divina.
Platão
Hoje, numa aula de Filosofia A, para explicar o porquê do trabalho a realizar, li um pequeno poema.
Gostaram. E perceberam.
Uma centopeia vivia feliz
Até que um dia um sapo lhe disse, a brincar:
Com tantos pés, nunca te enganas, meu petiz?
Cheia de dúvidas de tanto pensar
Caiu distraída numa vala
sem saber como marchar.
(retirado do livro, Uma tarde com o Sr Feynman)
Xenófanes, filósofo e poeta do século VI a.C., fala-nos da fragilidade dos discursos convencionais sobre as coisas divinas.
Impressiona tanta lucidez.
Para os Etíopes, os deuses são negros, para os Trácios, loiros...
(Frag 16)
Mas, se bois, cavalos ou leões tivessem mãos
e com mãos desenhassem ou realizassem obras, como homens,
cavalos iguais a cavalos, bois iguais a bois,
as formas de deuses desenhavam fazendo corpo
tal qual cada um tem.
(Fra. 15)
Narciso
Dentro de mim me quis eu ver. Tremia,
Dobrado em dois sobre o meu próprio poço...
Ah, que terrível face e que arcabouço
Este meu corpo lânguido escondia!
Ó boca tumular, cerrada e fria,
Cujo silêncio esfíngico bem ouço!
Ó lindos olhos sôfregos, de moço,
Numa fronte a suar melancolia:
Assim me desejei nestas imagens.
Meus poemas requintados e selvagens,
O meu Desejo os sulca de vermelho:
Que eu vivo à espera dessa noite estranha,
Noite de amor em que me goze e tenha,
...Lá no fundo do poço em que me espelho!
José Régio, Biografia
1901-1969 Vila do Conde
As situações-limite, enquanto experiências da estranheza, da insatisfação e da finitude humana, levam o homem a filosofar.
Se a nossa vida fosse infinita ou isenta de dor, não aconteceria a ninguém perguntar-se por que existe o mundo; (...) todas as coisas se compreenderiam por si mesmas.”
Schopenhauer
Embora ateia, leio com gosto Frei Bento Domingues.
Retive a frase que citou hoje, no Público, arrancada aos ensinamentos da parábola de S. Lucas:
Quem é fiel nas coisas pequenas também é nas grandes; e quem é injusto nas coisas pequenas também é injusto nas grandes.
A reafirmação do óbvio é, em qualquer tempo, fundamental.
Hoje, na Pública, a pintora Graça Morais, citada por Ana Sousa Dias, diz: Há cada vez mais mulheres a viver sozinhas, porque são exigentes, não aceitam um companheiro inculto, que lhes pese nas responsabilidades económicas.
Uma vez mais a grande questão: a emancipação da mulher aumenta na medida igual à da sua libertação económica.
Para repetir muitas vezes.
Nada a fazer. Hoje apetece-me Pensar com Vergílio.
O intelectual. Que tipo. Será uma espécie em vias de extinção? Ele é o inútil, o complicado, o chato.
(...)
Sugeria alguém que se suprimisse a filosofia do curso dos liceus. Há lá coisa mais compreensível? O filósofo, imagine-se. O das minhoquices.(...)
Para quê um romance que nos chateia com a maçada de "pensar"? Pensar o quê, se a vida é já tão maçadora?(...) E os poetas, esses loucos mansos que não farão mal a ninguém mas nos atrapalham o trânsito?
(...)
Há todavia um pequeno pormenor maçador e é que a própria humanidade sofre com isso também uma baixa por tabela. É esquisito mas é assim.
Porque se não fossem esses chatos, a história dos humanos era apenas a pocilga com apenas talvez uma variedade de feitio.
Vergílio Ferreira, Pensar, Bertrand, 1992, p 94
Título de uma Comédia de Molière onde satiriza a moral dos jesuítas. Por evolução, a palavra designa beato falso, hipócrita, mas aparentemente defensor de grandes princípios morais.
Pois. Os tartufos são como os cogumelos, emergem de forma brusca e espontânea da terra fértil.
Consumpção de todo o corpo e alma.
Ser inteligente é ser um desgraçado. O imbecil é feliz.
Mas o animal também.
Vergílio Ferreira, Pensar, Bertrand, 1992, p23
O dramaturgo grego Sófocles escreveu grandes peças - Ajax, Antígona, Rei Édipo - de dimensão e acção psicológicas. De muitas outras, conhecem-se apenas os títulos e alguns fragmentos.
Introduziu profundas alterações na técnica teatral passando pelo número de coreutas e pelo terceiro actor.
Sófocles reflecte, insistentemente, sobre a condição humana e a busca da felicidade.
A Tragédia Antígona, estreada no século de Péricles, mantém-se actual: Antígona vive a contradição entre obedecer à Lei ou lutar pela Justiça.
O tempo não apaga o fascínio desta personagem.
Hémon - (...) Mas um homem prudente não se envergonha de colher ensinamentos, ou de não ser intransigente em demasia. Vê como, no Inverno, nas margens das torrentes, aumentadas pela chuva, as árvores cedem para salvar os ramos. Se resistissem, acabariam arrancadas pela raiz. Assim sucede ao que, seguro de si, mantém tensa a escota da nave, sem manobra, pois fará o resto da travessia de quilha para o ar. Portanto, não teimes no teu rigor, e admite a possibilidade de mudares de propósito.
Sófocles, Antígona, Editorial Verbo, p 30.
Mesmo que os tempos andem agitados, chega sempre a horas.
Num pálido desmaio a luz do dia afrouxa
E põe, na face triste, um véu de seda roxa...
Teixeira de Pascoaes
Preparo e preparo as matérias que lecciono. Mas depois, na sala de aula, nunca vou a direito.
O caminho não se faz em ziguezague. São círculos abertos, coloridos de falas, que remetem para mais mundo.
y detrás de los mitos y las máscaras el alma, que está sola.
Jorge Luís Borges, in El Oro de los Tigres
Mito: palavra de origem grega, mythos, que significa palavra, o que se diz.
Mito de Pandora
Dantes vivia sobre a terra a raça humana, a recato da desgraça e de penoso trabalho e das doenças terríveis, que trazem a morte aos homens.
Mas a mulher, com as suas mãos, ergueu a grande tampa da vasilha e dispersou-os, preparando para a humanidade funestos cuidados. Dentro da vasilha, na morada indestrutível, abaixo do rebordo, ficou apenas a Esperança. Essa não se evolou. Antes já ela tornara a colocar a tampa por desígnios de Zeus, detentor da Égide, que amontoa as nuvens. Mas tristezas aos centos erram entre os homens. Cheia está a terra de desgraças, cheios os mares.
As doenças, umas de dia, outras de noite, visitam à vontade os homens trazendo aos mortais, o mal, em silêncio, pois Zeus, prudente lhes tirou a voz.
E assim não há maneira de evitar os desígnios de Zeus.
Hesíodo, Os Trabalhos e os Dias
Há uma certa perversão, um certo desvio, nesta narrativa mítica. Se a sociedade grega vivia organizada sob as leis imutáveis das Moiras - destino - então que sentido atribuir à esperança?
Sem haver intenção em delimitar os sentidos deste mito - alguns impenetráveis - há, no entanto, a possibilidade de a sua compreensão remeter para a capacidade do homem em superar as suas condições concretas de vida.
sophia de mello breyner andresen