Vivem em nós inúmeros;
Se penso ou sinto, ignoro
Quem é que pensa ou sente.
Sou somente o lugar
Onde se sente ou pensa.
Tenho mais almas que uma.
Há mais eus do que eu mesmo.
Existo todavia
Indiferente a todos.
Faço-os calar: eu falo.
Os impulsos cruzados
Do que sinto ou não sinto
Disputam em quem sou.
Ignoro-os. Nada ditam
A quem me sei: eu escrevo.
Ricardo Reis
A música é a roupagem do Sonho.
As dificuldades que qualquer discurso sobre o corpo tem de enfrentar.
Qualquer discurso sobre o corpo parece ter de enfrentar uma resistência. Ela provém certamente da própria natureza da linguagem: como para a morte ou para o tempo, a linguagem esquiva-se à intenção de definir: cada definição permanece um ponto de vista parcial, determinado por um domínio epistemológico ou cultural particular.(...)
Parece no entanto que a verdadeira dificuldade se encontra noutro lado. Manifesta-se na profusão, não das significações do corpo, mas do emprego metafórico deste termo. Ele está em todo o lado, tudo forma um corpo (...). A esta docilidade da linguagem equivale uma violência real exercida sobre o corpo: quanto mais sobre ele se fala, menos ele existe por si próprio.
José Gil, Metamorfoses do Corpo, A Regra do Jogo, 1980, p. 7
Fui raptada pela literatura muito nova e nunca quis ser resgatada.
Margaret Atwood
Hoje, no Público (P2), escrito na pedra:
Cinema-verdade?
Prefiro o cinema-mentira.
A mentira é sempre mais interessante do que a verdade.
Frederico Fellini, cineasta italiano (1920-1993)
Sólon (638 a.C.-558 a.C ), começou como poeta e acabou a fazer leis para a cidade.
Entre muitas leis que redigiu, consta que uma delas oferecia cidadania a estrangeiros.
Exilou-se, viajando. Não quis ser Tirano.
Posto isto, é fácil compreender que o verdadeiro alvo desta evocação é o nosso presente.
As leis são como as teias de aranha que apanham os pequenos insectos
e são rasgadas pelos grandes.
Conta os teus dedos,
quantos dedos?
cinco, responde Mylia
vês?, diz Witold, tens a mão toda.
falta a mão, insiste Mylia.
Gonçalo M. Tavares, Jerusalém
Exemplo de uma concessão inteligente:
Não hesite se subitamente perceber que para ganhar uma disputa basta cruzar os braços. Já o Napoleão aconselhava – Nunca interrompa um inimigo quando ele está a cometer um erro – e ele foi o tipo que conquistou a Europa toda.
A medida é coisa óptima.
Cleóbulo ( sete sábios )
Os livros, tal como as balas, têm os seus alvos.
Ernst Junger
Hoje disparei em vários sentidos.
O retorno que se manifeste, pelo menos, em algumas nódoas no espírito.
Certo é que as marcas nem sempre têm visibilidade. Mas têm futuro.
O mito de Orfeu exerce forte atracção no imaginário da cultura ocidental.
Encontramos vestígios deste mito na música - Montiverdi, Offenbach, Liszt, Casella, Stravinsky - e no cinema.
Na pintura, o poeta Apollinaire criou o termo cubismo órfico influenciando pintores como Delaunay, Picabia e Duchamp.
Orfeu, ao que sabemos, foi um poeta de grande habilidade musical e um mestre do encantamento.
Mas é Platão que o eleva, ainda na época clássica, a figura principal.
Tantos trabalhos passou Orfeu para trazer Eurídice do Hades. Mas olhou para trás; para o corpo, para o sensível. Perdeu-se.
Começa aqui a compreensão da obra Fédon de Platão.
Intercalando leituras, deparo-me com uma curiosa afirmação de Virginia Woolf.
É uma escritora redescoberta no final dos anos 60 e é considerada, em conjunto com James Joyce, arauta da narrativa moderna; técnica conhecida pela expressão "fluxo da consciência".
Diz-nos que para compreender a realidade que envolve o Homem, temos de aceder à camada para lá do algodão.
É do trabalho de preparação de aulas - principalmente - que o professor retira satisfação.
Hoje andei às voltas com os pré-socráticos.
Parei em Heraclito, frag 123:
A natureza gosta de ocultar-se.
Foste bela
Foste minha,
Foi bela a minha rainha.
Nada mais é permitido celebrar.
Quando te falo, dói-me que respondas
Ao que te digo e não ao meu amor.
F. Pessoa, Primeiro Fausto, terceiro tema, cap XXI
sophia de mello breyner andresen