Terça-feira, 30 de Novembro de 2010
Para comemorar Pessoa, o poeta, filho do desassossego, através de Álvaro de Campos e Ricardo Reis.
No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
(...)
Álvaro de Campos
Não sei se é amor que tens, ou amor que finges,
O que me dás. Dás-mo. Tanto me basta.
Já que o não sou por tempo,
Seja eu jovem por erro.
Pouco os deuses nos dão, e o pouco é falso.
Porém, se o dão, falso que seja, a dádiva
É verdadeira. Aceito,
Cerro olhos: é bastante.
Que mais quero?
Ricardo Reis
Todo o nosso conhecimento se inicia com sentimentos.
(Leonardo da Vinci 1452 - 1519)
A arte é a forma mais intensa de individualismo que o mundo conhece.
Oscar Wilde
Certa palavra dorme
na sombra de um livro raro.
Como desencantá-la?
É a senha da vida
a senha do mundo.
Vou procurá-la.
Vou procurá-la a vida inteira
no mundo todo.
Se tarda o encontro, se não a encontro,
não desanimo,
procuro sempre.
Procuro sempre,
e minha procura ficará sendo minha palavra.
Carlos Drummond de Andrade, Discurso da Primavera
Segunda-feira, 29 de Novembro de 2010
Heráclito pintado por Rafael
Há sempre fascínio no exercício de clarear o pensamento dos filósofos pré-socráticos.
Em Heráclito - Éfeso, século VI a. C -, só rebuscando o sentido latente acedemos ao ser das coisas.
Tu não encontrarás os confins da alma, caminhes o quanto caminhares, tão profunda é ela.
Áspero amor, violeta coroada de espinhos...
Arbusto entre tantas paixões erguidas,
Lança das dores, coroa da ira,
Por quais caminhos e como te dirigiu a minha alma?
Por que precipitaste o teu fogo doloroso,
Repentinamente, entre as folhas frias do meu caminho?
Quem te ensinou os passos que te levaram a mim?
Que flor, que pedra, que fumaça mostraram a minha casa?
A verdade é que tremeu a noite apavorante,
A aurora encheu todas as taças com seu vinho
E o sol estabeleceu a sua presença celeste,
Enquanto o amor cruel me cercava sem trégua,
Até que padecendo-me com espadas e espinhos,
Abriu meu coração um caminho ardente.
Pablo Neruda
Barcarola é um termo musical que designa as canções originalmente cantadas pelos gondoleiros de Veneza.
A palavra vem do italiano e significa barco ou barcaça.
Na música clássica, as barcarolas de Chopin e de Offenbach são especialmente conhecidas.
A mais famosa é, certamente, Os contos de Hoffman, composta por Offenbach e foi interpretada pelo virtuoso Vianna da Motta.
Sabemos das relações entre a música e a poesia. As barcarolas não são excepção; exprimem-se em cantigas singelas.
Parti-me, trágico, ao meio
De mim mesmo, na paixão.
A amiga mostrou-me o seio
Como uma consolação.
Dormi-lhe no peito frio
De um sono sem sonhos, mas
A carne no desvario
Da manhã, roubou-me a paz.
Fugi, temeroso, ao gesto
Do seu receio modesto
E cálido; enfim, depois
Pensando a vida adiante
Vi o remorso distante
Desse crime de nós dois.
Barcarola, Vinícius de Moraes
Domingo, 28 de Novembro de 2010
Lisboa é o único sítio do país onde se pode encontrar a província em estado puro. Como é ela que dá o tom ao país, a província chega-me de lá depurada e aumentada. “Também é bonito”, dizia um excursionista lisboeta quando o carro eléctrico onde eles davam a volta à cidade para não a verem, passou em frente do Jardim Botânico. “Sim…- concordou outro – mas o nosso da Estrela…”. É muito pândego este alfacinha, para não passar por provinciano acha-se na obrigação de não admirar como, segundo ele, imagina faz o provinciano da província na sua Lisboa. Como sempre, os exteriores tocam-se mais ainda, assim prefiro de longe a admiração lorpa da pobre grande gente da minha aldeia. A admiração é o princípio da sabedoria.
Eduardo Lourenço
A amizade é , acima de tudo, certeza – é isso que a distingue do amor.
Marguerite Yourcenar
Sábado, 27 de Novembro de 2010
A felicidade é provavelmente uma infelicidade que se suporta melhor.
Marguerite Yourcenar
Sexta-feira, 26 de Novembro de 2010
Há uma raíz amarga em tudo o que termina. Lembrei-me de García Lorca.
O punhal,
como um raio de sol,
incendeia as terríveis
profundidades.
A ética é estar à altura daquilo que nos acontece...
Gilles Deleuze
Amigo
Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra «amigo».
«Amigo» é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!
«Amigo» (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
«Amigo» é o contrário de inimigo!
«Amigo» é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado,
É a verdade partilhada, praticada.
«Amigo» é a solidão derrotada!
«Amigo» é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
«Amigo» vai ser, é já uma grande festa!
Alexandre O'Neill, No Reino da Dinamarca
A arte é feita para perturbar; a ciência tranquilizar.
Georges Braque
Quinta-feira, 25 de Novembro de 2010
O homem é absurdo por aquilo que procura, grande por aquilo que encontra.
Paul Valéry