Tolerância deriva do latim tolerare e significa suportar. Tolerar é, assim, permitir comportamentos com os quais não estamos de acordo. Logo, a discordância é um requisito da tolerância.Tolerar é reconhecer ao Outro o direito de pensar e agir de modo diferente. Contudo, não significa que aceitemos o relativismo moral em toda a sua extensão. A universalidade da Carta dos Direitos Humanos continua a ser a referência balizadora duma sociedade justa. Há valores inegociáveis.
É quando um espelho, no quarto,
se enfastia;
Quando a noite se destaca
da cortina;
Quando a carne tem o travo
da saliva,
e a saliva sabe a carne
dissolvida;
Quando a força de vontade
ressuscita;
Quando o pé sobre o sapato
se equilibra...
E quando às sete da tarde
morre o dia
- que dentro de nossas almas
se ilumina,
com luz lívida, a palavra
despedida.
David Mourão Ferreira
Para Gaston Bachelard ( 1884-1962), a ciência e o senso comum diferem uma vez que fazem parte de esferas cognitivas diferentes. Estamos perante aquilo a que ele chama "corte epistemológico", momento que afasta a ciência dos ruídos exteriores, "os obstáculos epistemológicos".
O amor é belo e bom; o resto é silêncio, mais o princípio da incerteza.
Duvida da luz dos astros,
De que o sol tenha calor,
Duvida até da verdade,
Mas confia em meu amor.
William Shakespeare
O dizer poético, expressionista, do austríaco Georg Trakl (1887-1914), lembra as fúrias de Orfeu. Um poeta da noite, da solidão e das imagens quase cinematográficas, que acompanho no crepúsculo deste inverno solarengo.
Pastores enterraram o sol na floresta nua.
Um pescador puxou a lua
Do lago gelado em áspera rede.
No cristal azul
Mora o pálido Homem, o rosto apoiado nas suas estrelas;
Ou curva a cabeça em sono purpúreo.
Mas sempre comove o vôo negro dos pássaros
Ao observador, santidade de flores azuis.
O silêncio próximo pensa no esquecido, anjos apagados.
De novo a fronte anoitece em pedra lunar;
Um rapaz irradiante
Surge a irmã em outono e negra decomposição.
O filósofo francês Blaise Pascal (1623-1662), salienta que a consciência é o melhor livro de moral e o que menos se consulta.
Deito-me tarde
Espero por uma espécie de silêncio
Que nunca chega cedo
Espero a atenção a concentração da hora tardia
Ardente e nua
É então que os espelhos acendem o seu segundo brilho
É então que se vê o desenho do vazio
É então que se vê subitamente
A nossa própria mão poisada sobre a mesa
É então que se vê passar o silêncio
Navegação antiquíssima e solene
Sophia Mello Breyner Andresen
A Revista Portuguesa de Filosofia, tomo 66-Fasc4, 2010, inclui um artigo Sobre a Mente Consciente na Natureza de Samuel Butler, apresentado por Manuel Curado. No resumo pode ler-se que Butler foi um dos primeiros autores a compreender que o evolucionismo de Darwin precisa de ser completado com uma reflexão sobre a evolução das máquinas. O estudo paralelo salienta a dificuldade da abordagem do campo de estudo da evolução da mente senciente. O artigo conjectura a favor de uma noção de mente alargada: se existe uma evolução paralela de autómatos e de seres orgânicos desde o inicío da vida na Terra e se os organismos biológicos evoluem lado a lado com próteses mecânicas e é previsível que existam no futuro formas de simbiose entre humanos e máquinas, segue-se que a mente humana deverá ser entendida num sentido mais alargado do que o habitual.
Darei conta por aqui da leitura deste artigo fascinante.
Li um dia, não sei onde,
Que em todos os namorados
Uns amam muito, e os outros
Contentam-se em ser amados.
Fico a cismar pensativa
Neste mistério encantado...
Diga prá mim: de nós dois
Quem ama e quem é amado?...
Florbela Espanca
Pelo lápis multipétalo de Natália, recebemos a sustentável leveza do sentir; do ar proibido que respiramos.
Este homem que entre a multidão
enternece por vezes destacar
é sempre o mesmo aqui ou no japão
a diferença é ele ignorar.
Muitos mortos foram necessários
para formar seus dentes um cabelo
vai movido por pés involuntários
e endoidece ser eu a percebê-lo.
Sentam-no à mesa de um café
num andaime ou sob um pinheiro
tanto faz desde que se esqueça
que é homem à espera que cresça
a árvore que dá dinheiro.
Alimentam-no do ar proibido
de um sonho que não é dele
não tem mais que esse frasco de vidro
para fechar a estrela do norte.
E só o seu corpo abolido
lhe pertence na hora da morte.
Natália Correia, O Vinho e a Lira
Se me vem tanta glória só de olhar-te,
Se pena desigual deixar de ver-te;
Se presumo com obras merecer-te,
Grão paga de um engano é desejar-te.
Se aspiro por quem és a celebrar-te,
Sei certo por quem sou que hei-de ofender-te;
Se mal me quero a mim por bem querer-te,
Que prémio querer posso mais que amar-te?
Porque um tão raro amor não me socorre?
Ó humano tesouro! Ó doce glória!
Ditoso quem à morte por ti corre!
Sempre escrita estarás nesta memória;
E esta alma viverá, pois por ti morre,
Porque ao fim da batalha é a vitória.
Luís de Camões
Guardo na minha pele esta viagem. Para sentir o lento movimento dos dias.
Uma coisa é habitar a pele,
outra, ter a noite por fragata.
Eugénio de Andrade
Se a linguagem é a morada do Ser, compete usá-la de modo a não nos desfigurarmos. Depois de dita, perduram resíduos.
Por isso (…) foi dado ao homem a língua, o mais perigoso dos bens (…) para que ele dê testemunho do que ele é (…).
Hölderlin
A propósito das declarações inscientes de Cavaco Silva:
Cabe a cada um assumir por sua conta e risco a sua linguagem, pela procura da palavra adequada. À ontologia objectiva ou sociológica da fala deve substituir-se uma ontologia pessoal. O discurso não é mais do que um testemunho do ser, pelo que cabe a cada um fazer com que esse testemunho seja autêntico.
(...) O sentido último da palavra é de ordem moral.
Georges Gusdorf, A Palavra, Ed 70, p. 43
sophia de mello breyner andresen