Dorme sobre o meu seio,
Sonhando de sonhar...
No teu olhar eu leio
Um lúbrico vagar.
Dorme no sonho de existir
E na ilusão de amar.
Tudo é nada, e tudo
Um sonho finge ser.
O 'spaço negro é mudo.
Dorme, e, ao adormecer,
Saibas do coração sorrir
Sorrisos de esquecer.
Dorme sobre o meu seio,
Sem mágoa nem amor...
No teu olhar eu leio
O íntimo torpor
De quem conhece o nada-ser
De vida e gozo e dor.
Fernando Pessoa
Onde estás? a alma anoitece-me bêbeda
De todas as tuas delícias. Um momento
Escutei o sol, amoravel adolescente,
Tirar da lira celeste as notas de ouro do seu canto da noite.
Ecoavam ao redor os bosques e as colinas;
Ele no entanto já ia longe, levando a luz
A gentes mais devotas
Que o honram ainda.
Hölderlin
A poesia como atitude de religação essencial.
Sim, a poesia pode salvar o homem.
Czeslaw Milosw, O livro dos Saberes, p. 283
Na penumbra dos ombros é que tudo começa
quando subitamente só a noite nos vê
E nos abre uma porta nos aponta uma seta
para sermos de novo quem deixámos de ser
David Mourão- Ferreira, Obra Poética ( 1948-1988), p. 214
Quem me roubou a minha dor antiga,
E só a vida me deixou por dor?
Quem, entre o incêndio da alma em que o ser periga,
Me deixou só no fogo e no torpor?
Quem fez a fantasia minha amiga,
Negando o fruto e emurchecendo a flor?
Ninguém ou o Fado, e a fantasia siga
A seu infiel e irreal sabor...
Quem me dispôs para o que não pudesse?
Quem me fadou para o que não conheço
Na teia do real que ninguém tece?
Quem me arrancou ao sonho que me odiava
E me deu só a vida em que me esqueço,
“Onde a minha saudade a cor se trava ?”
Fernando Pessoa, Cancioneiro
o meu maior desejo
sempre foi
o de aumentar a noite
para a conseguir
encher de sonhos
Virgínia Woolf
Ao longe, ao luar,
No rio uma vela,
Serena a passar,
Que é que me revela ?
Não sei, mas meu ser
Tornou-se-me estranho,
E eu sonho sem ver
Os sonhos que tenho.
Que angústia me enlaça ?
Que amor não se explica ?
É a vela que passa
Na noite que fica.
Fernando Pessoa
como viveremos no esquecimento
se perdemos repentinamente a profundidade dos campos
os enigmas singulares
a claridade que juramos conservar.
mas levamos anos a esquecer alguém
que apenas nos olhou
José Tolentino de Mendonça
A palavra é a superfície do mar agitado que conflitua nas profundezas.
Nietzsche
Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...
Mário Quintana
Na Grécia Antiga, o conceito de música designava não só a música propriamente dita mas igualmente as belas-artes. Para os gregos, a extensão do conceito aplicava-se à cultura do espírito em geral. Platão esclarece, no Prólogo do Fédon, esta questão:
No curso da minha vida, tinha sido, com frequência, visitado por um sonho, hoje sob uma forma, amanhã sob outra, o qual me aconselhava constantemente a mesma coisa: Ó Sócrates, dizia ele, trata de cultivar a música e dedica-te a isso. Ora eu julgava que àquilo, que na vida passada tinha feito, me exortava e incitava o sonho. Semelhante aos que animam os corredores, assim ele, na minha opinião, me animava também a prosseguir o que tinha principiado - a dedicar-me à música, pois não existe música, pensava eu, mais excelente que a filosofia, à qual eu me dedico.
O filósofo espanhol Ortega y Gasset (1883-1955) escreveu, sem fingimento, que o Homem é um equilíbrio instável.
Sou uma parte de tudo aquilo que encontrei.
Para filosofar é necessário descer ao velho caos e sentirmo-nos aí como se estivéssemos em casa.
Wittgenstein
Bernardo Soares, Livro do Desassossego:
Não vejo, sem pensar.
Ser governado é ser vigiado, inspeccionado, espiado, dirigido, legislado, regulamentado, classificado, doutrinado, admoestado, fiscalizado, avaliado, censurado, comandado por seres que não possuem para isso nem título, nem ciência, nem virtude.
Proudhon
A sociedade humana necessita de paz, mas necessita igualmente de conflitos sérios e de ideais: de valores, de ideias pelos quais possamos lutar. Na sociedade ocidental aprendemos- e aprendemos com os gregos- que é possível fazê-lo não tanto com a espada, mas muito melhor e mais persistentemente com palavras. E, sobretudo, com argumentos razoáveis.
Uma sociedade perfeita é, por conseguinte, impossível. Existem, porém, ordens sociais melhores e piores. A nossa civilização ocidental decidiu-se a favor da democracia, como uma forma de sociedade que pode ser alterada pela palavra e, aqui e ali- se bem que raramente- por argumentos racionais, por uma crítica racional, isto é, realista- através de reflexões críticas não-pessoais, características também da ciência, designadamente da ciência da natureza, desde os gregos. Sou, pois, um defensor da civilização ocidental, da ciência e da democracia. Elas dão-nos a oportunidade de prevenir o infortúnio evitável e de experimentar, de apreciar criticamente e, se necessário, aperfeiçoar as reformas (...). E confesso-me igualmente partidário da ciência, hoje tantas vezes caluniada, que busca a verdade através da auto-crítica e que, a cada nova descoberta, descobre de novo quão pouco nós sabemos- quão infinitamente grande é a nossa ignorância e falibilidade. Foram intelectualmente humildes. (...).
Karl Popper, Em Busca de Um Mundo Melhor
sophia de mello breyner andresen