Pergunta de um aluno hoje na aula: professora, para quê visitar autores tão distantes de nós, do nosso tempo e cultura?
Pelo interesse histórico e pelo prazer de conhecer ( aspecto não muito valorizado...) ideias de outros tempos mas que influenciam o nosso presente.
Como bem diz Italo Calvino, autor aqui várias vezes citado, porque um clássico é um livro que nunca acabou de dizer o que tem a dizer.
Adónis (pseudónimo de Ali Ahmed Said Esber) é considerado o maior poeta árabe vivo. O seu pseudónimo está ligado ao deus fenício símbolo da renovação cíclica.
Pensa que uma ética humanista no espírito da tradição grega e oriental esteja em condições de trazer ao ser humano uma segurança semelhante à da fé religiosa do mundo cristão ou de qualquer outra das grandes religiões?
Na minha opinião, sim, mas como é que se pode chegar a ela? O que nos falta a esse respeito é o mythos, aquilo a que chamamos mythos.
Agora, o que rege é o Logos no sentido trivial da palavra e rejeitou-se, marginalizou-se tudo o que é mythos, ou seja, tudo o que é humano, poesia, amor, amizade, relações pessoais...Necessitamos, para fazer o equilíbrio, do mythos, mas como é que se pode convencer este mundo do mythos?
O Livro dos Saberes, Edições 70, pág 37
Falei de ti com as palavras mais limpas,
viajei, sem que soubesses, no teu interior.
Fiz-me degrau para pisares, mesa para comeres,
tropeçavas em mim e eu era uma sombra
ali posta para não reparares em mim.
Andei pelas praças anunciando o teu nome,
chamei-te barco, flor, incêndio, madrugada.
Em tudo o mais usei da parcimónia
a que me forçava aquele ardor exclusivo.
Hoje os versos são para entenderes.
Reparto contigo um óleo inesgotável
que trouxe escondido aceso na minha lâmpada
brilhando, sem que soubesses, por tudo o que fazias.
Fernando Santiago Mendes de Assis Pacheco
Miguel Torga, pseudónimo do médico Adolfo Correia Rocha, não escolhe por acaso o seu pseudónimo literário. Torga é uma planta transmontana, urze das serranias, com raízes fortes que a fixam às fragas e penedos áridos das montanhas.
A poesia de Torga retrata uma ligação profundamente solitária do Homem à Terra.
Ler Torga é respirar a memória da terra-berço, e qualquer coisa dentro de mim se acalma...
Poesia-chão, sentida na caligrafia da solidão...
Serra!
e qualquer coisa dentro de mim se acalma...
Qualquer coisa profunda e dolorida,
Traída,
Feita de terra
e alma.
Uma paz de falcão na sua altura
A medir as fronteiras:
Sob a garra dos pés a fraga dura,
E o bicho a picar estrelas verdadeiras...
Miguel Torga, Diário II
Tu me deste a Palavra, a noz do fogo
Se o miolo te ficou tenho os dedos queimados.
Dá Deus nozes, Senhor... Sem dentes, desde logo,
Teu Banquete revolta os desdentados.
O Pão esperou na Voz fome e saliva
Ninguém comeu senão da própria suficiência:
Ao menos o Menino tem gengiva,
Saboreia a inocência.
Tende piedade dos Críticos,
Dai-lhes o Best-Seller
Engrossarão o seu coro.
Tudo o que for Sentido - desterrado
E oculto no choro!
Fazei guardar por anjos
A Significação
E em nossa carne eles tenham
Ceva e consolação.
À entrada do Verbo, imo da Morte,
Ponde uma folha a espada:
Guardaremos a Vida e o sangue ao Norte
Do Nada
Vitorino Nemésio
Para Nietzsche a linguagem é uma estrutura de dissimulação. No entanto, se soubermos cultivar a arte da paciência, a verdade- redonda, sempre redonda-chega-nos através da manifestação do ser das coisas. Refiro-me à verdade pessoal, a única que se pode assumir como absoluta.
Mário de Sá- Carneiro foi um poeta romântico. Um interseccionista para quem o conceito de Belo nos remete para um tempo mítico.
Belo é tudo quanto nos provoca a sensação do invisível.
A prática de verbalizar um problema como forma de o resolver é antiga. Há séculos que se reconhece à palavra o poder de desocultar verdades essenciais e, portanto, a sua utilidade é uma espécie de clínica verbal. Também desde sempre se distinguiu, pela separação, o bom e o mau uso da palavra. Mas, paradoxalmente, bem cedo se descobrem as virtudes do silêncio. Nasce o si-mesmo secreto.
Com a entrada de Freud em cena, os segredos são transformados em conceitos e estudados através da verbalização metódica: comunique tudo o que se passa na sua auto-observação, com a suspensão de todas as críticas lógicas e afectivas. Com Freud, com a cultura ocidental, o inconsciente passou a ser verbalizado em ruptura com o lugar do silêncio e do não-dizível.
Estas considerações aceleradas surgem ao final do dia, momentos depois de revisitar o filme Um Método Perigoso.
A hora da partida soa quando
Escurece o jardim e o vento passa,
Estala o chão e as portas batem, quando
A noite cada nó em si deslaça.
A hora da partida soa quando
as árvores parecem inspiradas
Como se tudo nelas germinasse.
Soa quando no fundo dos espelhos
Me é estranha e longínqua a minha face
E de mim se desprende a minha vida.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Não deixes que termine o dia sem teres crescido um pouco,
sem teres sido feliz, sem teres aumentado os teus sonhos.
Não te deixes vencer pelo desalento.
Não permitas que alguém retire o direito de te expressares,
que é quase um dever.
Não abandones as ânsias de fazer da tua vida algo extraordinário.
Não deixes de acreditar que as palavras e a poesia podem mudar o mundo.
Aconteça o que acontecer a nossa essência ficará intacta.
Somos seres cheios de paixão.
A vida é deserto e oásis.
Derruba-nos, ensina-nos, converte-nos em protagonistas de nossa própria história.
Ainda que o vento sopre contra, a poderosa obra continua:
tu podes tocar uma estrofe.
Não deixes nunca de sonhar, porque os sonhos tornam o homem livre.
Walt Whitman
A natureza e a sociedade fazem do homem um ser de leis. Compete-lhe a si próprio fazer-se um ser livre. Livre para quê?
É um sonho ou talvez só uma pausa
na penumbra. Esta massa obscura
que ela revolve nas águas são estrelas.
Entre aromas e cores, um barco de calcário
prossegue uma viagem imóvel num jardim.
Vejo a brancura entre os astros e os ramos.
Dir-se-ia que o ser respira e se deslumbra
e que tudo ascende sob um sopro silencioso.
Nenhum sentido mas os signos amam-se
e o brilho e o rumor formam um mundo.
António Ramos Rosa, Acordes, Quetzal
Poema de Joán Zorro, do Cancioneiro da Biblioteca Nacional (outrora Cancioneiro Colocci-Brancuti) dito por Natália Correia e António Vitorino de Almeida, do álbum "Improvisos".
-Cabelos, los meus cabelos,
el-Rei m'enviou por elos: madre, que lhis farei? -Filha, dade-os a el-Rei.
Manoel de Barros, poeta brasileiro do século XX, dá-nos este belo fragmento em Livro Sobre Nada:
Do lugar onde estou já fui embora.
sophia de mello breyner andresen