Se na água um açúcar fraco se dissolve,
já num corpo de homem as histórias mantêm-se
num sítio do organismo que guarda as narrativas
(vamos supor que existe).
Nada se perde, nada se ganha; tudo é empate
como nos maus jogos. Porém, a memória não é assim
- quem relembra inventa: tudo começa de novo.
Gonçalo M. Tavares, Uma Viagem à Índia, Caminho, pág. 120
Deambulando pelas teorias da recepção da obra literária, vou abrindo o terreno para cimentar as questões que me ocupam: Há uma leitura ideal? Há uma simetria perfeita entre o leitor e a obra?
Aceito de modo natural a proposta crítica de Fish- o que existe é a comunidade interpretativa- mas Barthes inquieta o pensamento quando opta por matar o autor e fazer nascer o leitor. A ser assim, e segundo a perspectiva textual barthesiana, o verdadeiro lugar da escrita é a leitura, o verdadeiro exercício está no leitor enquanto espaço onde todas as palavras do texto são inscritas.
Assim se revela o ser total da escrita: um texto é feito de escritas múltiplas, saídas de várias culturas e que entram umas com as outras em diálogo, em paródia, em contestação; mas há um lugar em que essa multiplicidade se reúne, e esse lugar não é o autor, como se tem dito até aqui, é o leitor: o leitor é o espaço exacto em que se inscrevem, sem que nenhuma se perca, todas as citações de que uma escrita é feita; a unidade de um texto não está na sua origem, mas no seu destino, mas este destino já não pode ser pessoal: o leitor é um homem sem história, sem biografia, sem psicologia; é apenas esse alguém que tem reunidos num mesmo campo todos os traços que constituem o escrito.
Roland Barthes, A Morte do Autor
É incontornável. A questão da temporalidade da leitura de um texto obriga a atenção a dirigir-se para a distinção barthesiana entre textos de prazer e textos de gozo. Os textos de prazer, os clássicos, abrem-se ao entendimento do leitor sem sobressaltos; os textos de gozo, modernos, forçam a captação da sua inteligibilidade sob pena de fazer cair o leitor numa lentidão irreversível.
O que é que confere, então, rapidez à leitura? O que é que sistematiza a legibilidade? Roland Barthes diz que não há critérios objectivos para definir as práticas textuais, uma vez que só o próprio texto baliza o gozo do tempo de mergulho e a sua fenda. E depois, há sempre os livros que oferecem resistência.
Ser legível é um modelo clássico vindo da escola: ser legível é ser lido na escola.
Artigo de Opinião- Viriato Soromenho Marques, DN, 24-07-12
A natureza das instituições avalia-se pela sua resiliência às crises. O carácter dos amigos mede-se pela sua capacidade de ficarem ao nosso lado, contra tudo e contra todos, nas horas de perigo e desgraça. O que está a suceder a Espanha, a mergulhar numa espiral de destruição, revela que a União Económica e Monetária, como está, se tornou uma sala de tortura, condenada a perecer, e que os Estados membros da União Europeia são governados por uma gente pequenina que não percebe que é preciso ajudar os nossos aliados para nos ajudarmos a nós próprios. O índice IBEX, das maiores empresas espanholas, tem hoje menos valor bolsista do que dívida conjunta dessas empresas. A dívida pública espanhola (e italiana) está a subir em todos os prazos, apesar do incrível pacote de terror económico imposto por Berlim e Bruxelas a Madrid, para a aprovação do empréstimo de cem mil milhões de euros para o sector bancário. As autonomias, com Valência à cabeça, estão arruinadas. O cínico Weidmann, o torquemada monetarista à frente do Bundesbank, aconselhou Espanha a pedir um "resgate completo". Suprema crueldade! O FEEF está reduzido a trocos e o MEE está na mesa do Tribunal Constitucional Alemão, sob observação, pelo menos até 12 de setembro... O BCE nunca mais fez compras no mercado secundário. Prometer o que não se tem é o máximo insulto a quem precisa... Reina o silêncio dos cobardes na maioria das capitais europeias. O de Lisboa é inqualificável. Só Monti, que sabe ser a Itália o próximo alvo, expressa a sua inquietação em voz alta. Por este caminho, este será o último verão da Zona Euro. O último verão antes de uma nova, perigosa e incerta geografia política europeia, cujas dores de parto não pouparão ninguém.
Atacar os professores é não mais do que atacar a escola no seu todo, a instrução, o ensino, a possibilidade de transmitir conhecimentos e de acordar ou alimentar espíritos críticos, atentos, capazes de ver para além do imediatamente visto.
E isto interessa a quem não quer ser atacado, a quem, podendo desmedidamente mandar, faz acontecer o seu poder de forma cega, cegando quem interessa mandar.
Podem propagandear toda a pseudopedagogia domingueira que quiserem: se atacar os professores, os alunos e, no fundo, a Escola toda, não é exercer a ditadura, então o que é exercer a ditadura?
João Coelho (Comentário ao post Guardiões do Presente)
Era preciso agradecer às flores
Terem guardado em si,
Límpida e pura,
Aquela promessa antiga
Duma manhã futura.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Artigo de José Luís Peixoto, publicado na revista Visão de 13 de Outubro de 2011:
Um ataque contra os professores é sempre um ataque contra nós próprios, contra o nosso futuro. Resistindo, os professores, pela sua prática, são os guardiões da esperança.
Em sintonia. Guardiões do presente, sem ele não há futuro.
Aqui
Neste verão escaldante por que passa a escola pública, a voz independente do bispo das Forças Armadas é uma lufada de ar fresco. Salienta, numa entrevista, em 2011, a raíz do mal que assola o país: O problema é civilizacional, porque é ético. De novo, faz afirmações incómodas (Este Governo é profundamente corrupto) mas tão verdadeiras que levam Marcelo Rebelo de Sousa a questinar o método e não a substância. Risível, este Marcelo domingueiro.
Longe vão os tempos em que escutavamos, na Universidade do Porto, de modo atento, a voz rouca e intensa do então professor de Filosofia Medieval.
Obrigada, professor Januário Torgal Ferreira.
Sempre tive a impressão de que a música seria apenas o extravasamento de um grande silêncio.
Marguerite Yourcenar
Ano após ano, o tema da consciência em Sartre obriga-me a reler uma das suas grandes obras o Ser e o Nada. A abordagem sartreana desta instância, que nos leva ao conhecimento, é fascinante. O autor liga o tema, ainda que por contraposição, à arte. Além disso, e por extensão, tenho particular interesse em explorar os temas da solidão e da infelicidade que, sabemos, estão subjacentes ao próprio acto da consciência. Na tentativa de superar o negativismo e o solipsismo provenientes das relações do homem com o mundo e consigo próprio, Sartre analisa as relações do Eu com o Outro, bem como as relações do Eu com o Mundo, concluindo que o Eu não está só. Deste ponto de vista, Sartre esclarece que antes da relação cognitiva entre o Eu e o Outro, há a relação que ambos estabelecem mutuamente através do olhar, lugar primeiro das relações intersubjectivas. Como salienta Sergio Moravia, a descoberta mais dramática tem lugar quando o Outro levanta os olhos e me observa, um leve piscar de olhos, reduzindo a neutralidade entre o Eu e o Outro. Assim, neste gesto, se define o Eu enquanto ser-para-outro: eu sou aquele eu que um Outro conhece. Pelo olhar, formam-se os espelhos; pelo olhar, presentificamos o Mundo.
Neste momento a Escola Pública é o inferno em forma de lei.
A Educação do Meu Umbigo: Um caso bastante vergonhoso de experientação e engenharia profissional
(...)
O processo que está em decurso de empurrão de muitos milhares de docentes para uma dança de cadeiras sem cadeiras é do foro do obsceno e olhem que nem costumo colorir muito a adjectivação. E tanto maior é a obscenidade quanto se sabe ser uma dança inútil e desnecessária. Que apenas visa assustar as pessoas e prepará-las para eventuais medidas a implementar nos próximos meses relacionadas com a mobilidade especial ou a aposentação antecipada.
(...)
o que se está a passar com a definição de horários-zero neste final de ano lectivo é algo vergonhoso e obsceno, um exercício espúrio, moral e eticamente inaceitável, de engenharia profissional em que um MEC sem capacidades de planeamento anda a brincar com a vida profissional, pessoal e familiar, daqueles que deveria saber mobilizar para uma melhoria da Educação, não para o objectivo mesquinho da Educação possível com o preço mais baixo.
Este governo não cairá, porque não é um edifício. Sairá com benzina, porque é uma nódoa.
Eça de Queirós
(citação desviada de um comentário do blog A Educação do Meu Umbigo)
No espaço vazio do tempo presente, preciso de um fio de silêncio e da melodia da chuva ausente. De um passeio a pé pela Foz. E de um verso bom lido em voz baixa.
Um livro espantoso, que conheci através de um aluno.
A obra dá-nos a conhecer o significado de um número e o seu contributo para a formação da história das mentalidades. Como refere Seife no capítulo 0 " (...) o zero moldou a visão que a humanidade tem do universo - e de Deus". Não são páginas sobre números, portanto.
O problema do Zero consiste em que não precisamos de o utilizar nas operações da vida quotidiana. Ninguém sai para comprar zero peixes. De certo modo, é o mais civilizado de todos os cardinais e o seu uso só nos é imposto por modos de pensar elaborados.
Charles Seife, Zero - A Biografia De Uma Ideia Perigosa, Gradiva.
Obrigada, Jorge Moniz.
Pode saber mais aqui
Não há segredo mais supremo nem mais simples do que esta relação vital entre o corpo e o espaço, entre o alento e a paisagem, entre o olhar e o ser.
António Ramos Rosa, O Aprendiz Secreto
O que é uma coisa? Por que é que os objectos ( uma mesa, por exemplo) têm massa? A descoberta do Bosão de Higgs, uma partícula, mas também um campo do universo, contribui para a explicação destas questões. A existência do Bosão resulta do questinamento permanente acerca da natureza do espaço e representa uma pequena porta de leitura do universo, dizem os cientistas; do futuro, penso eu.
sophia de mello breyner andresen