As cores, mesmo pálidas, fazem-me feliz.
Meus olhos são capazes de tirar
fotografias. Sempre que me permito
ou com saliente tremura, ordeno, sinto,
Tudo o que cabe no meu campo de visão
- Uma cena de interior, folhas de nogueira, esbeltos
Estiletes de gélido estilicídio -
Permanece em fixação intraciliar
E duram um bom par de horas
E enquanto isso bastar-me-á
Cerrar os olhos e ver as folhas,
Ou a cena de interior, ou os troféus de água.
Vladimir Nabokov, Fogo Pálido, Canto Primeiro
Do fotógrafo português Eduardo Gageiro, histórias a preto-e- branco.
A vã glória de mandar...
Soldado retira a fotografia de Salazar
Os teus lábios, digo-te, não são doces
Como mel.
(o mel acaba por enjoar)
Mas são doces, os teus lábios, digo-te.
Mas doces como quê?
Ora, doces como eles são.
Doces?
Sim, olha doces como pão
Que todos os dias comemos
Sem fartar.
Rui Knopfli, Obra Poética, Imprensa Nacional-Casa da Moeda (2003), pág 43
Nada expõe com tanta nudez um texto como o palco (...).
Martin Crimp
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Entre o sono e sonho,
Entre mim e o que em mim
É o quem eu me suponho
Corre um rio sem fim.
Passou por outras margens,
Diversas mais além,
Naquelas várias viagens
Que todo o rio tem.
Chegou onde hoje habito
A casa que hoje sou.
Passa, se eu me medito;
Se desperto, passou.
E quem me sinto e morre
No que me liga a mim
Dorme onde o rio corre -
Esse rio sem fim.
Fernando Pessoa, 11-9-1933
Ao fundo, do outro lado da vida, a música. Sem versos, rompe o desconhecido...
O campo da inteligência artificial está associado à compreensão das entidades inteligentes e também à sua construção. A partir do estudo realizado em seres humanos e em animais e entrosando-se com variados campos de conhecimento ( matemática, linguística, ciências da computação, filosofia e lógica e ciências cognitivas e psicologia), a disciplina pretende avançar no âmbito das máquinas cognitivas. Pode o cérebro artificial pensar? John Searle em Mente, Cérebro e Ciência diz que não. O sentido humaniza-nos.
A razão por que nenhum programa pode alguma vez pensar é simplesmente porque um programa de computador é apenas sintáctico , e as mentes são mais do que sintácticas. As mentes são semânticas, no sentido de que possuem mais do que uma estrutura formal, têm conteúdo. (...) pensar é mais do que apenas uma questão de manipular símbolos sem significado; implica conteúdos semânticos significativos (...)
(...) A democracia consiste em submeter o poder político a um controlo.
Popper, Karl e Contry, John, Televisão: um perigo para a democracia, 1ª Edição, Gradiva, Lisboa, 1995
Qualquer homem sensato reconhece os limites do seu saber e da sua acção. Ora, o problema de Passos Coelho não reside na explicação da estratégia ao país, mas na estratégia da explicação. É indispensável para o orador conhecer o auditório sobre o qual exerce a acção. Passos Coelho demonstra não o saber, é um político afastado da vida, rodeado de gente que gosta da frescura do ar condicionado dos gabinetes. Quando assim é, o princípio da discutibilidade torna-se inoperante.
Não fiques para trás, ó companheiro,
é de aço esta fúria que nos leva.
(...)
José Gomes Ferreira
(Letra do hino da organização Jornada (1947), ramo juvenil do MUD. A música é composta por Fernando Lopes-Graça.)
(...) Direis: o magistrado fará, com as forças de que dispõe, o que julgar ser da sua alçada. Dizeis bem, responderei eu. Mas, aqui, investiga-se o modo como bem agir e não o êxito das coisas duvidosas.
Mas, vindo mais ao pormenor, digo: em primeiro lugar, o magistrado não deve tolerar nenhum dogma oposto e contrário à sociedade humana ou aos bons costumes necessários à conservação da sociedade civil. Mas tais exemplos são raros em qualquer igreja. Com efeito, os dogmas que claramente arruínam os fundamentos da sociedade são condenados pelo juízo do género humano; nenhuma seita levaria a loucura ao ponto de julgar que se devem ensinar dogmas em virtude dos quais os próprios bens, a paz e a reputação não estariam em segurança.
Em segundo lugar, um mal certamente mais escondido e mais perigoso para o Estado é constituído por aqueles que se arrogam, para eles e para a sua seita, um privilégio particular e contrário ao direito civil, que cobrem e disfarçam com discursos especiosos. Em lado algum, praticamente, encontrareis pessoas a ensinar crua e abertamente que não é necessária a fidelidade à palavra dada; que o príncipe pode ser afastado do trono por qualquer seita e que o governo de todas as coisas só a eles pertence. (...) Estas pessoas e outras semelhantes, que atribuem aos fiéis, aos religiosos, aos ortodoxos, isto é, a elas próprias, nas coisas civis, algum privilégio e algum poder de que o resto dos mortais não dispõe; ou que reivindicam para si, sob pretexto de religião, certos poderes sobre os homens estranhos à sua comunidade eclesiástica, ou que dela de qualquer maneira se separaram, estas pessoas não podem ter o direito de ser toleradas pelo magistrado; nem também os que não querem ensinar que é preciso tolerar os que entram em dissidência relativamente à sua própria religião. Que outra coisa ensinam estas pessoas e todos os da sua espécie senão que, na melhor ocasião, tentarão usurpar os direitos do Estado, os bens e a liberdade dos cidadãos?
Locke, Carta Sobre a Tolerância, trad. João da Silva Gama, Lisboa, Edições 70, 1996, pp. 116-117
Apesar da linguagem, a comunicação de Pedro Passos Coelho anuncia mais austeridade. Um discurso que esmaga o direito dos portugueses ao presente e os reduz a abstracções numéricas.
Há muito que sabemos que o problema da fala é de ordem política e ética: falar, é falar verdade para si e para a Pólis. Outras latitudes, onde a linguagem se revela um “acontecer possibilitante”.
Entre os gregos tudo dependia do povo, e o povo dependia da fala.
Fénelon, Carta à Academia, IV.
( Respigado em O Estado da Educação e do Resto)
sophia de mello breyner andresen