Depois de me instalar em Bouville constato, nos gestos dos seres com quem me cruzo, a razão de ser das palvras de Antoine Roquentin:
as coisas são inteiramente o que parecem - e por trás delas...não há nada.
Existir. É tudo o que me pode acontecer. Contingência absoluta. Sem razão, o Nada. Porque hoje é um dia qualquer. Mas, e não por fraqueza, bom, para visitar Bouville.
O Núcleo de Filosofia e Cinema passou o filme Água (2005) da realizadora Deepa Mehta. A fita é um olhar impressionante sobre as condições de vida das viúvas hindus.
Na Índia do século passado, a tradição ditava que as mulheres viúvas, ainda que sejam crianças de oito anos, vivessem invisíveis na sociedade, sem referências familiares e sociais. Apesar disso, as mais jovens, e para assegurar a sobrevivência de todas, prostituem-se sob o olhar silencioso mas cúmplice da sociedade. No corpo e na alma destas mulheres o desespero é o pecado vivido na solidão da fé. Depois de Fogo (1996) e de Terra (1998) só a água é redentora e mediadora do exercício de esquecimento absoluto.
Do princípio ao fim, o filme coloca de forma persistente a questão do horizonte de sentido e do absurdo de existir.
Ghandi está presente em cada instante. As suas ideias abrem brechas nos costumes, desafiando a reivindicação de um pensamento autónomo relativamente à religião.
Um filme de planos belos e sensíveis. Imperdível.
Chegámos a um ponto perigoso: damos como relativamente normal que o extravagante, o bizarro, o esdrúxulo e o grotesco entrem no nosso quotidiano e se tornem dominantes. No âmbito do excêntrico, o ministério da Educação é um arquétipo.
Aqui, artigo completo.
Tempo — definição da angústia.
Pudesse ao menos eu agrilhoar-te
Ao coração pulsátil dum poema!
Era o devir eterno em harmonia.
Mas foges das vogais, como a frescura
Da tinta com que escrevo.
Fica apenas a tua negra sombra:
— O passado,
Amargura maior, fotografada.
Tempo...
E não haver nada,
Ninguém,
Uma alma penada
Que estrangule a ampulheta duma vez!
Que realize o crime e a perfeição
De cortar aquele fio movediço
De areia
Que nenhum tecelão
É capaz de tecer na sua teia!
Miguel Torga, Cântico do Homem
sophia de mello breyner andresen