A liberdade abstracta é uma servidão real.
Pela arte manifesta-se, também, a indignação com as desigualdades sociais e políticas. O quadro Guernica, pintado por Pablo Picasso, que retrata a Guerra Civil Espanhola, exemplifica significativamente a questão colocada.
Pablo Picasso foi perseguido e preso pelas tropas do general Franco. Ao prendê-lo, perguntaram a Picasso: Quem pintou guernica? e ele respondeu: Foram vocês!
E o mundo continua a pintar; desenfreadamente.
(...) Neste preciso momento, há biliões de organismos neste planeta a jogar às escondidas. Mas para eles não se trata apenas de um jogo. É uma questão de vida ou de morte. Não se enganarem, não cometerem erros, tem sido de uma importância primordial para todos os seres vivos deste planeta desde há três biliões de anos; por isso, estes organismos desenvolveram milhares de formas diferentes de descobrir como é o mundo em que vivem, distinguindo os amigos dos inimigos, os alimentos dos companheiros e ignorando, em grande medida, o resto. É para eles importante não estarem mal informados acerca destas matérias – mas, regra geral, não se dão conta disto. Eles são os beneficiários de um equipamento delicadamente concebido para captar bem o que interessa, mas quando o seu equipamento funciona mal e capta as coisas mal, não têm, regra geral, recursos para se darem conta disto, quanto mais para o lamentarem. Eles limitam-se a prosseguir, inconscientemente. A diferença entre a aparência e a realidade das coisas é um hiato tão fatal para eles como o pode ser para nós, mas eles não se apercebem, em grande medida, disso. O reconhecimento da diferença entre a aparência e a realidade é uma descoberta humana. Algumas das outras espécies (alguns primatas, alguns cetáceos, talvez até algumas aves) reconhecem, aparentemente, o fenómeno da “crença falsa” – o engano. Mostram alguma sensibilidade aos erros dos outros e talvez até alguma sensibilidade aos seus próprios erros enquanto erros, mas não têm a capacidade de reflexão necessária para refletir nesta possibilidade, razão pela qual não podem usar esta sensibilidade para conceber deliberadamente correções ou aperfeiçoamentos nos seus próprios instrumentos de busca e dissimulação. Esse tipo de superação do hiato entre a aparência e a realidade é um ardil que só nós, os seres humanos, dominámos.
Somos a espécie que descobriu a dúvida. (…) As outras criaturas são muitas vezes visivelmente inquietadas pelas suas próprias incertezas acerca destas mesmas questões, mas, porque não podem, na verdade, colocar-se a si mesmas estas perguntas, não podem articular, para si próprias, os seus dilemas, nem tomar medidas para aperfeiçoar o seu controlo da verdade. Estão encurraladas num mundo de aparências, fazendo com elas o melhor que podem, raramente se preocupando (se é que alguma vez o fazem) com a questão de saber se a aparência corresponde à realidade. (...)
Daniel C. Dennett, Fé na Verdade – in Disputatio, n.º 3, novembro de 1997
(retirado do Manual Escolar 2.0)
Herberto Helder, 82 anos de vida. Homenagem ao Poeta.
Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.
Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
- a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.
E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.
- Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
- E o poema faz-se contra o tempo e a carne.
Depois do dia em verso, o inverso:
A criação dos chamados mega-agrupamentos. Mais uma etapa da gestão caótica que invade o sistema escolar.
Diz o Conselho Nacional de Educação: O reforço da centralização burocrática dentro dos agrupamentos, o aumento do fosso entre quem decide e os problemas concretos a reclamar decisão, a sobrevalorização da gestão administrativa face à gestão autónoma das vertentes pedagógicas, tem vindo a criar problemas novos onde eles não existiam.
Pois, sabíamos, sabemos: um modelo organizacional falho e pernicioso.
dá-me a alegria, a sem razão nenhuma que se veja,
dou-te alegria, a sem caminhos na clareira,
a de nenhum sinal em terra nua.
dá-me a tristeza, a toda certa sem fronteiras.
dou-te tristeza, a cinza em cinza devastada,
a oiro no silêncio debruada.
por águas me verti, por rios, sementes.
de terra me vestes, a sombra do dia,
o sítio das flechas no corpo, na árvore.
no sossego das chuvas me reparto.
ficas no escuro, nos ramos nos frutos,
embrulho novelo a desajeito.
a porta quase aberta diz que me recebes,
quase fechada diz que me visitas.
assim te visite, assim te receba.
nenhuma palavra que o gesto não faça.
de águas me vista, em terra me vertas.
no corpo das flechas o sítio, nos rios.
António Franco Alexandre, Poemas, Assírio & Alvim, pág 290
Consequências decorrentes das leituras do dia:
1. C. Falzon
Pelo menos duas funções caracterizam o pensamento crítico. A primeira é tomar o peso às posições, crenças e argumentos para perguntar se as razões que as suportam são adequadas ou relevantes e se os argumentos apresentados são conformes a princípios de raciocínio consistente. A segunda função é a de questionar crenças e posições que se tornaram fechadas ou dogmáticas, para denunciar os limites de tal pensamento, as suas falhas ou inaptidões para lidar com certos factos, considerações ou argumentos, e abrir o caminho para um modo diferente de pensar.
como o livre e extraordinário criador e modelador de ti próprio, podes moldar-te na forma que preferires. Podes degenerar nas coisas baixas, que são brutas; podes regenerar, seguindo a decisão da tua alma, nas coisas elevadas, que são divinas.
Pico della Mirandola (1463-1494)
Filhos dum deus selvagem e secreto
E cobertos de lama, caminhamos
Por cidades,
Por nuvens
E desertos.
Ao vento semeamos
O que os homens não querem.
Ao vento arremessamos
As verdades que doem
E as palavras que ferem.
Da noite que nos gera, e nós amamos,
Só os astros trazemos.
A treva ficou onde
Todos guardamos a certeza oculta
Do que nós não dizemos,
Mas que somos.
José Carlos Ary dos Santos (1937 - 1984)
Em Portugal há um clima de nervosismo exponencial. Não é para menos, a União Europeia não é uma família de países democráticos.
Os Estados- Nações conservam ainda alguma relevância política?
Esta imagem vai muito bem com as cores da estação.
Narrativa que nos diz: quanto mais silêncio houver num dia, melhor ele é. Inundação profunda; até à raiz.
Rei Lear, Terceiro Acto:
Quem está aí, além desta horrível tempestade?
Shakespeare
A cosmologia é uma ciência fascinante. Há muitos anos que acompanho a evolução do objecto de estudo desta disciplina científica e com mais precisão o modelo do universo em expansão.
Diz um comentador do Público: daqui a 1 trilião de anos, o universo vai extinguir-se devido à sua expansão e arrefecimento, devido ao efeito da energia negra que supera o efeito da gravidade.
Faltam estrelas no céu.
Poema de Ángel González ( 1925-2008). Lindo!
Si yo fuera Dios
y tuviese el secreto,
haría
un ser exacto a ti;
lo probaría
(a la manera de los panaderos
cuando prueban el pan, es decir:
con la boca),
y si ese sabor fuese
igual al tuyo, o sea
tu mismo olor, y tu manera
de sonreír,
y de guardar silencio,
y de estrechar mi mano estrictamente,
y de besarnos sin hacernos daño
-de esto sí estoy seguro: pongo
tanta atención cuando te beso;
entonces,
si yo fuese Dios,
podría repetirte y repetirte,
siempre la misma y siempre diferente,
sin cansarme jamás del juego idéntico,
sin desdeñar tampoco la que fuiste
por la que ibas a ser dentro de nada;
ya no sé si me explico, pero quiero
aclarar que si yo fuese
Dios, haría
lo posible por ser Ángel González
para quererte tal como te quiero,
para aguardar con calma
a que te crees tú misma cada día,
a que sorprendas todas las mañanas
la luz recién nacida con tu propia
luz, y corras
la cortina impalpable que separa
el sueño de la vida,
resucitándome con tu palabra,
Lázaro alegre,
yo,
mojado todavía
de sombras y pereza,
sorprendido y absorto
en la contemplación de todo aquello
que, en unión de mí mismo,
recuperas y salvas, mueves, dejas
abandonado cuando -luego- callas...
(Escucho tu silencio.
Oigo
constelaciones: existes.
Creo en ti.
Eres.
Me basta ).
Apeasar de Colucio salutati (1331-1406) não ter sido um grande teórico da política do seu tempo, o seu Tratado sobre o Tirano, escrito em 1400, aborda temas de uma actualidade desesperante.
O contexto da obra é interessante. Surge da necessidade de responder ao quesito de um estudante de direito canónico sobre se Dante teria tido razão ao enviar os assassinos de César para o último grau do seu Inferno.
Estamos perante um relato acerca das disputas medievais sobre o fundamento jurídico do governo.
Fica um pequeno excerto sobre o direito de resistir:
Mas voltemos ao argumento. A propósito do qual me parece estar agora suficientemente demonstrado como por direito, não só uma parte do povo, mas também qualquer cidadão particular pode impunemente resistir a quem quiser fazer-se tirano, esmagando sem piedade um tal monstro com as armas e com o sangue. Não só no acto em que ele usurpe o governo, mas também depois de o haver, e mesmo se tiver passado algum tempo, durante o qual talvez se tenham colhido meios e ajuda para o repelir.
Adaptação a partir do livro de Umberto Cerroni O Pensamento Político, volume II
sophia de mello breyner andresen