V
Esta linguagem é pura. No meio está uma fogueira
e a eternidade das mãos.
Esta linguagem é colocada e extrema e cobre, com suas
lâmpadas, todas as coisas.
As coisas que são uma só no plural dos nomes.
- E nós estamos dentro, subtis e tensos
na música.
(...)
Herberto Helder, Poesia Toda, pág. 77.
e cada dia que passa é demasiado tarde,
Esta narrativa e esta arquitectura de subalternização do estatuto dos cidadãos terá de ser contrariada no ano que agora começa. Não é tarefa fácil. Desde 2012 que os responsáveis pela austeridade, pela espiral recessiva e pelo desastre social perceberam que os cidadãos são uma maçada. Um «entrave» à governação, tal como a Constituição e a democracia. O aumento da contestação, nas suas múltiplas formas, fez regressar o povo como sujeito histórico e mostrou-lhes que era tempo de juntar algumas cenouras ao discurso do bastão dos «malandros culpados».
Sandra Monteiro
Em poucas palavras, Vergílio Ferreira estica a corda até à fronteira do pensamento: por que razão filosofamos?
Porque nos assola o sentido da existência; porque a nossa inadaptação, essencial, desperta a tarefa de pensar. A morte, lugar de toda a filosofia.
Não, a morte não é um "acidente de percurso". Percurso para onde? Não há mais percurso nenhum. Ela é apenas, com o nascer, o enquadramento de uma vida, que é o intervalo solar de duas noites que a limitam. Mas se só houvesse luz, a luz não existia. Pensa a noite para conhecer a exaltação do dia. Que há de mais importante para a vida do que saber que há a morte? Filosofar é prepararmo-nos para ela. Disse-o Sócrates. Disse-o Cícero. Di-lo tu também, que também és gente.
Vergílio Ferreira, Pensar
O Homem vive simultaneamente como sujeito livre e objecto determinado...
Bem a propósito, aconselho a leitura do seguinte trecho de Karl Marx presente no artigo de Terry Eagleton "O Imaginário Kantiano" na Revista Crítica (Revista do Pensamento Contemporâneo), na edição de Novembro de 1991, pág. 70.
Nos nossos dias, tudo parece prenhe do seu contrário. Sendo nós uma maquinaria dotada do maravilhoso poder de reduzir e fazer frutificar o trabalho humano, contemplamos a fome e a morte por excesso de trabalho. As fontes de riqueza da moda são convertidas, por uma estranha magia, em fontes de penúria. As vitórias da arte parecem ser compradas com a perda do carácter. Na mesma medida em que a humanidade domina a natureza, parece ter sido o homem escravizado por outros homens e pela própria infâmia. Mesmo a luz pura da ciência parece incapaz de brilhar a não ser sobre o fundo escuro da ignorância. Toda a nossa invenção e todo o nosso progresso parecem ter como consequência dotar as forças materiais de vida intelectual e reduzir a vida humana a uma força material. Este antagonismo entre a indústria e a ciência modernas, por um lado, e miséria e dissolução, por outro; este antagonismo entre as forças produtivas e as relações sociais, na nossa época, é um facto pálpavel, esmagador, que não pode ser desmentido.
Há dias, no i, li o artigo de José de Faria Costa sobre "infobesidade". Ontem, nas Caldas da Rainha, Manuel Maria Carrilho dissertou sobre o tema Pensar o Mundo. Dois momentos distintos, mas a mesma ânsia de procura de sentido e a necessidade de definir com rigor os conceitos com que exercemos o espaço comunicacional e público; político, portanto. Une-os o relevo que ambos colocam na necessidade de nos interrogarmos sobre o exercício de pensar; e de pensarmos efectivamente o mundo.
Enquanto José de Faria Costa argumenta sobre o lado bom do acesso fácil e rápido à informação e sobre a necessidade de colocar a reflexão sobre o que é bom para termos pessoas a pensar, Manuel Maria Carrilho apresenta o tempo presente como lugar do mutante antropológico e de seres que sabem sem aprender, bastando-lhes para tanto clicar.
Se a sociedade actual é repassada de pessoas multitarefas e de doses de informação em massa, então urge salientar o primado da interrogação reflexiva sobre tudo mas sem nunca perdermos a noção de que o infinito do pensar se não coaduna com o finito das nossas próprias capacidades intelectuais.
E não nos deixemos morrer de overdose de informação; e de cliques.
A mais poderosa inclinação, e o maior apetite do homem, é desejar ser. […] Não está o erro em desejarem os homens ser; mas está em não desejarem ser o que importa.
Sermão de Todos os Santos, no Convento de Odivelas, em 1643
Sabeis porque vos querem mal vossos inimigos? Ordinariamente é porque vêem em vós algum bem que eles quiseram ter, e lhes falta.
Sermão da Primeira Sexta-Feira da Quaresma, Lisboa, na Capela Real, 1649
Caldas da Rainha: em defesa da escola pública
Aqui
sophia de mello breyner andresen