Chove. Há silêncio, porque a mesma chuva
Não faz ruído senão com sossego.
Chove. O céu dorme. Quando a alma é viúva
Do que não sabe, o sentimento é cego.
Chove. Meu ser (quem sou) renego...
Tão calma é a chuva que se solta no ar
(Nem parece de nuvens) que parece
Que não é chuva, mas um sussurrar
Que de si mesmo, ao sussurrar, se esquece.
Chove. Nada apetece...
Não paira vento, não há céu que eu sinta.
Chove longínqua e indistintamente,
Como uma coisa certa que nos minta,
Como um grande desejo que nos mente.
Chove. Nada em mim sente...
Fernando Pessoa, Cancioneiro
O aforismo, síntese de experiências e de ideias recebidas, surge, na escrita de Agustina Bessa-Luís, como exercício da razão (e)vidente. E, salienta Teresa Moura Guedes, obriga-nos a rever as nossas ignoradas convicções.
Não se deve falar profundamente do que é importante.
Frei Bento Domingues, comentando a situação do país e o papel da igreja perante a austeridade, declara: perante tanta injustiça, a insurreição acontecerá.
Depois de uma semana fora do país, regresso a casa por volta das 21h. A RTP1 tem no ar O Fim do Silêncio, um programa de humor negro acerca das grandes narrativas do passado recente e de algum presente. Em duas horas, José Sócrates transforma-se na Palavra.
Com a ajuda de Kafka, permaneço em Praga e memorizo as metamorfoses múltiplas por que passa a história dos homens.
Canto V - 60
Mas não sejamos pessimistas. Até os pintores
dizem estar a surgir, por estes tempos,
um cesto cheio de novas cores.
Certos tratamentos químicos contemporâneos têm sido
experimentados à luz do sol,
e esta parece finalmente perceber o progresso.
Em pleno século XXI já não fazem sentido astros teimosos
e autónomos.
Gonçalo M. Tavares, Uma Viagem À Índia, Caminho, pág 229.
O primeiro grande símbolo do romance A Montanha Mágica: o título, que Thomas Mann retira de O Nascimento da Tragédia.
"Agora a montanha mágica do Olimpo como que se nos abre e mostra as suas raízes. O grego conheceu e sentiu os pavores e horrores da existência: para poder não mais que viver, precisou conceber a resplandecente criatura onírica dos olímpicos.”
A montanha, símbolo da situação do homem perante a morte?
Interpretações... Mas quando Hans Castorp ouve A Tília, uma canção de Schubert, compreende que é a morte que se encontra por detrás de tão notável beleza.
Acabei de ouvir a sentença proferida por Junker: " Os demónios de uma guerra europeia estão apenas a dormir"
Perante tal afirmação, e sob o céu chuvoso e turbulento, reservo a noite à leitura de A Montanha Mágica. Alguns críticos, curiosamente, interpretam o romance como um momento de reflexão sobre o destino da cultura europeia (Europa pré-Segunda Guerra Mundial).
Lola é um filme belíssimo. Os planos narrativos edificam a história, quase documental, de duas avós unidas por uma tragédia, apesar de estarem em lados distintos. Uma é avó de um rapaz que matou um homem durante um assalto e a outra é avó da vítima. Lutam contra o esquecimento dos seus netos, numa cidade consumida por profundas injustiças sociais.
Um filme sobre a determinação da vontade, ainda que encarcerada em corpos frágeis e trespassados pelas tempestades da natureza e da vida.
Neste filme, são os olhos do espectador que dissolvem os dilemas morais mas cansam-se de tanta verdade...
Em Lola, o realizador filipino Brillante Mendoza liberta, pela força da lentidão, um fragmento de realidade.
Quem não me deu Amor, não me deu nada.
Encontro-me parado...
Olho em redor e vejo inacabado
O meu mundo melhor.
Tanto tempo perdido...
Com que saudade o lembro e o bendigo:
Campos de flores
E silvas...
Fonte da vida fui. Medito. Ordeno.
Penso o futuro a haver.
E sigo deslumbrado o pensamento
Que se descobre.
Quem não me deu Amor, não me deu nada.
Desterrado,
Desterrado prossigo.
E sonho-me sem Pátria e sem Amigos.
Adrede.
Ruy Cinatti, O Livro do Nómada meu Amigo
Um facto aqui, outro ali, estamos outra vez na Europa de 1945, obrigados a partir do nada, forjando uma geração de contestatários, revendo princípios e valores, estupefactos com a insolência das tríades dominantes. Por enquanto, esse sentimento de estupefacção obnubila a visão de conjunto. Sabemos que algo terá de acontecer, mas não exactamente o quê, nem quando. Até lá, por cada mercearia que falir, um banco será resgatado com o dinheiro dos nossos impostos.
Da Literatura
Estamos rodeados de ruído. Da imagem à palavra, é audível a deformidade em que nos afogamos no excesso de tudo; uma catadupa de impressões, que fere a inteligência de qualquer ser. Um aborrecimento, portanto. Vem a propósito lembrar Kierkegaard: o aborrecimento é a raiz de todo o mal.
Cansa sentir quando se pensa.
Fernando Pessoa, Cancioneiro
(9-11-1932)
Porque não há mandatos imperativos.
Caldas cumpriu!
Fotografia - Gazeta das Caldas
Fotografia - Blogue Correntes
Porque a democracia resta por vir, tal é a sua essência na medida em que ela resta: não apenas ela restará indefinidamente perfectível, logo sempre insuficiente e futura mas, pertencendo ao tempo da promessa, restará sempre, em cada um dos seus tempos futuros, por vir [à venir]: mesmo quando há democracia, esta não existe nunca, não está nunca presente, permanecendo o tema de um conceito não apresentável. Será possível abrir ao "vem" de uma certa democracia que não seja mais um insulto à amizade que tentámos pensar para além do esquema homo-fraternal e falologocêntrico? Quando estaremos nós prontos para uma experiência da liberdade e da igualdade que faça a prova respeitosa desta amizade, e que seja finalmente justa, justa para além do direito, quer dizer, à medida da sua desmesura? Ó meus amigos democratas…
Derrida, Políticas da Amizade
sophia de mello breyner andresen