para te manteres vivo - todas as manhãs
arrumas a casa sacodes tapetes limpas o pó e
o mesmo fazes com a alma - puxas-lhe brilho
regas o coração e o grande feto verde-granulado
deixas o verão deslizar de mansinho
para o cobre luminoso do outono e
às primeiras chuvadas recomeças a escrever
como se em ti fertilizasses uma terra generosa
cansada de pousio - uma terra
necessitada de águas de sons de afectos para
intensificar o esplendor do teu firmamento
passa um bando de andorinhões rente à janela
sobrevoam o rosto que surge do mar - crepúsculo
donde se soltam as abelhas incompreensíveis
da memória
luzeiros marinhos sobre a pele - peixes
que se enforcam com a corda de noctilucos
estendida nesta mudança de estação
Al Berto, Horto de Incêndio, Assírio & Alvim, p. 52
Excelente artigo de Isabel Lucas, no Público de hoje. Sabe bem lê-lo e partilhá-lo.
"Uma das características tradicionais do que se chamava ‘intelectual’ era abanar os conformismos e ir contra o bom senso, aquilo em que se acredita, os clichés, a mesmice." José Gil
“Os intelectuais erram, já erraram muitas vezes, mas faz parte”, diz Rui Ramos. “Havia uma frase muito representativa do que era isso e que está ligada a uma característica difícil de definir, o carisma, que é integrante de um intelectual: dizia-se que era melhor errar com Sartre do que estar certo com Aron [Raymond Aron, 1905-1983, intelectual de direita, ao contrário de Sartre, autor do livro O Ópio dos Intelectuais, uma reflexão sobre o poder].” Os erros de Sartre, de Foucault, o apoio à revolução islâmica do ayatollah Khomeini, em 1979, ou o anti-semitismo de Céline são lembrados também por Pedro Mexia e António Pinho Vargas. “A ideia é errar melhor”, afirma Delfim Sardo. “Para pensar, temos de nos distanciar”, insiste Maria Filomena Molder. Estar perto do poder é não conseguir olhá-lo dessa forma. Não é impossível a relação entre pensador e poder. Mas é complicada a partir do momento em que comece a toldar o espírito crítico.”
sophia de mello breyner andresen