Belo texto de Frei Bento Domingues, hoje, no Público.
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Se a poesia é a única prova concreta da existência do ser humano como humano, a música é a alma de toda a poesia, presente, aliás, no ritmo de todas as artes que verdadeiramente o sejam. Como linguagem suprema da transcedência humana, rasga o tecto do mundo, expõe-se ao sopro divino, religação do céu e da terra.
M. S. Lourenço sustenta, nos Degraus do Parnaso, que a literatura, entendida como incluindo a poesia e a prosa, tem a tarefa de nos levar até à fronteira do inexprimivel. Para ele, o problema subjacente consiste em que a linguagem, de que a literatura é a arte (no sentido em que a música é a arte do som), funciona dentro de limites que não podem ser ultrapassados. Isto leva a que a linguagem não seja capaz de representar completamente todo o âmbito da experiência. Existe, assim, uma parte da experiência que não é representável linguisticamente, logo literalmente.
Este poeta chama inexprimivel a este domínio da experiência linguisticamente inacessível. A grandeza relativa da arte da linguagem pode, justamente, medir-se pela sua capacidade de levar o leitor à intuição desse domínio, embora dele não possa ser feita qualquer descrição. O verdadeiro artista é aquele que encontrou expressão simbólica da experiência transcendente.
Por este caminho, M. S. Lourenço colocou a questão das fronteiras entre a literatura e a religião. Tem defendido a ideia de que o oculto religioso não existe incondicionalmente e que a expressão da experiência religiosa é condicionada pela formulação literária que a descreve, uma vez que esta é o veículo da asserção religiosa. Neste sentido, uma doutrina religiosa é apenas tão verdadeira quanto o for a formula literária que a transmite.
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sophia de mello breyner andresen