Terça-feira, 22 de Junho de 2010

Como nos ensina Platão, a amizade é o cultivo do belo, da sabedoria e até do divino. É um dinamismo que nos aproxima e fixa em algumas pessoas. Em outras não. É um itinerário iniciático e dialéctico, conduzido pela mão de Diotima.

Os encontros com a minha amiga Olga Rocha desafiam-me e inquietam-me, mesmo que tenham a duração de um instante.

Esse lado breve mas imutável das relações representa, para mim, um tempo certo e uma escala de valoração, provando que nem tudo se dissolve no ar.

 

Foi então que apareceu a raposa.

- Olá, bom dia! - disse a raposa

- Olá bom dia! - respondeu delicadamente o principezinho que se voltou mas não viu ninguém.

- Estou aqui - disse a voz - debaixo da macieira.

- Quem és tu? - perguntou o principezinho. - És bem bonita...

- Sou uma raposa - disse a raposa.

- Anda brincar comigo - pediu - lhe o principezinho. - Estou tão triste...

- Não posso ir brincar contigo - disse a raposa. - Não estou presa...

- Ah! Então desculpa! - Disse o principezinho.

Mas pôs-se a pensar, a pensar, e acabou por perguntar:

- O que é que "estar preso" quer dizer?

- Vê-se logo que não és de cá - disse a raposa. - De que é que tu andas à procura?

- Ando à procura dos homens - disse o principezinho. - O que é que "estar preso" quer dizer?

- Os homens têm espingardas e passam o tempo a caçar - disse a raposa. - É uma grande maçada! E também fazem criação de galinhas! Aliás, na minha opinião, é a única coisa interessante que eles têm. Andas à procura de galinhas?

- Não - disse o principezinho. -  Ando à procura de amigos. O que é que "estar preso" quer dizer?

- É uma coisa que toda a gente se esqueceu - disse a raposa. - Quer dizer que se está ligado a alguém, que se criaram laços com alguém.

- Laços?

- Sim, laços - disse a raposa. - Ora vê: por enquanto, para mim, tu não és senão um rapazinho perfeitamente igual a outros cem mil rapazinhos. E eu não preciso de ti. E tu também não precisas de mim. Por enquanto, para ti, eu não sou senão uma raposa igual a outras cem mil raposas. Mas, se tu me prenderes a ti, passamos a precisar um do outro. Passas a ser único no mundo para mim. E, para ti, também passo a ser única no mundo...

- Parece que estou a começar a perceber - disse o principezinho.  - Sabes, há uma certa flor...tenho impressão que estou preso a ela...

(...).

 

Antoine de Saint - Exupéry, O Principezinho

 

Há laços que perduram.



publicado por omeuinstante às 13:57 | link do post

2 comentários:
De Olga a 22 de Junho de 2010 às 19:30
" - On ne connaît que les choses que l' on apprivoise, dit le renard. Les hommes n´ont plus le temps de rien connaître. Ils achètent des choses toutes faites chez les marchands. Mais comme il n´existe point de marchands d' amis, les hommes n´ont plus d´amis. Si tu veux un ami, apprivoise-moi!
- Que faut-il faire? dit le petit prince.
- Il faut être patient, répondit le renard. Tu t' assoiras d´abord un peu loin de moi, comme ça, dans l' herbe. Je te regarderai du coin de l' oeil et tu ne diras rien. Le langage est source de malentendus. Mais, chaque jour, tu pourras t' asseoir un peu plus près..." A. Saint-Exupéry

Obrigada, Céu.
De facto, Exupéry sabia do que falava: a amizade exige conhecimento, disponibilidade, paciência, vontade de criar laços,...mas, como um dia escreveu Miguel de Unamuno, ela sobretudo, "aperfeiçoa-nos e enriquece-nos, não tanto pelo que nos dá, mas pelo que nos revela de nós mesmos".
O verdadeiro amigo é aquele que nos ajuda a desvelar-nos, aquele que nos ajuda a descobrir-nos / redescobrir-nos...

Olga

E, já agora...

Sabes por que comentei com a versão francesa, não sabes?...



De Renato Sampaio a 22 de Junho de 2010 às 22:17
É a primeira que passo neste blogue e gostei. Continue e parabéns.


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