Um canto - tal como um conto -, pode ser sempre re-contado. O canto camoniano permite leituras marginais face à matéria épica narrada. O Texto de Gonçalo M. Tavares envolve o pensamento no mesmo exercício.
A questão é que um país já nem
se preocupa se fabrica ou não poetas.
E até a própria fábrica não tolera restos:
toda a matéria deverá ser aproveitada,
como uma prostituta hábil aproveita todos os recantos
do seu corpo. Os países perderam estilo,
ganharam accionistas.
Gonçalo M. Tavares, Uma Viagem à Índia, Prefácio de E. Lourenço, Caminho, 1ª edição, canto IV, p 175
De Francisco a 31 de Outubro de 2010 às 19:00
Também estou a ler. A sua explicação é muito interessante.
De Cláudia Tomazi - Brasil a 31 de Outubro de 2010 às 20:08
A idéia do texto do Sr. Gonçalo Tavares estava tão lúcida, até cometer cair na cilada de uma analogia com o elemento de prostituição da figura feminina.
Grosserias a parte, a seriedade do caso não comporta desvarios, por mais que sinta-se tentado a vulgaridade não compete a tal comparação.
De vasco t. a 1 de Novembro de 2010 às 18:14
Gostei do modo como fazes referência à obra que apresentas, pela concisão das palavras que usas, pela modulação do discurso com que operas ("re-canto" rimando com "re-conto", por ex.), pelo rigor do que afirmas e pelo motivador excerto da obra que escolheste.
A expressão "leituras marginais" é sugestiva e fecunda, podendo talvez ajudar-nos a aceitar que uma obra literária tem de comportar uma forma de violência aos códigos morais, estéticos ou políticos que configuram uma determinada mundanidade. Aquilo a que W. Benjamin chamou "varrer a história a contrapelo".
Que bela defesa da "inutilidade" da poesia contra o reino idolátrico da "utilidade" do momento a todo o vapor nos faz a autor no excerto apresentado! Assim, vou sentindo que tenho - muitos? - irmãos, ainda que não os conheça.
Obrigado, M. do Céu, continua sempre!
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