Quarta-feira, 04.01.12

Na Segunda Guerra Mundial, sob o falso manto do voluntariado, o Japão recrutou pilotos suicidas na elite universitária do país. Embora " os voluntários" tivessem sido adestrados para morrer, deixaram escritos- cartas a familiares- onde estão gravadas as perplexidades, as dúvidas e medos da sua condição de Kamikase. 
Os soldados-estudantes- os tokkõtai-, foram constituídos em Outubro de 1944 pelo vice-almirante Onishishi Takijiro com o proprósito de eliminar os porta-aviões americanos. Eram soldados treinados não tanto para matar, mas para morrer pela pátria.

O livro da americana Emiko Ohnuki-Tierney, Kamikase Diaries: Reflections of Japanese Student Soldiers, corrige a História e desvela a face, não sorridente, do sentir dos homens concretos.

No Diário de Hayashi Tadao, pode ler-se:

 

 1 de Janeiro de 1944- Talvez o que nos espera seja uma funda desilusão e, para a nossa sociedade, uma anarquia insidiosa. Sonho em alongar-me sobre as ondas do mar num dia ensolarado de primavera para me intoxicar com pensamentos soltos enquanto o meu corpo se solta à deriva na água... De repente, vem -me à mente uma cena de Casa dos Mortos- no entardecer de um dia de verão de céu esbranquiçado, os prisioneiros são empurrados para dentro das celas.

Vivo na solidão.
8 de Maio-  O individualismo não é um mero "ismo", mas um princípio inato do ser humano. Realmente odeio os militares (...)

14 de Julho- Hoje encerro o meu diário, fruto da minha empobrecida vida espiritual. Eu, confusão e anarquia, estou reduzido a isso. O que me atrai são questões sobre a natureza da sociedade moderna. Neste diário eu expus as minhas fraquezas. Este misérable humano na sua totalidade está aqui retratado. Escrever o diário foi uma forma de encontrar algum sentido para mim. 
O que desejaria, para mim, é andar pelas ruas de Moscou com uma boina na cabeça, estudar economia e política internacional numa Bibliothek alemã ou envolver-me numa análise teórica dos rumos a serem tomados pelo Japão. Se eu viver, é o que farei. Se eu morrer, terá sido um mero sonho. Gostaria de pensar neste diário como o primeiro capítulo do registo de um ser humano que tinha um grande sonho, mas que não encontrou uma solução. Tentei como pude realizar este sonho. Fim.

 

Hayashi Tadao morre no dia 28 de Julho, aos 24 anos, já depois da rendição aos americanos. O seu avião explodiu numa noite enluarada.
( Síntese a partir da leitura da Revista Piauí, 61, Outubro de 2011)



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Sexta-feira, 02.12.11

O poeta e romancista italiano Cesare Pavese (1908-1950) escreveu A Lua e as Fogueiras poucos meses antes de se suicidar, em Turim, num quarto de hotel.  

A narrativa gira à volta de um homem sem rosto que regressa à terra onde nasceu, revivendo o passado no presente. 

É um livro sobre as origens, sobre a busca de identidade. Simples e belo. 

 

Tantas vezes me havia imaginado encostado ao parapeito da ponte, a interrogar-me como fora possível passar tantos anos naquele buraco, naqueles caminhos, pastoreando a cabra e procurando maçãs caídas no fundo da ribeira, convencido de que o mundo terminava na curva onde a estrada descia até ao Belbo. (...)
Deste modo, durante muito tempo julguei que esta terra onde nasci fosse tudo o que havia no mundo. Agora que vi realmente o mundo e sei que é formado por tantas pequenas aldeias, não sei se em rapaz me enganava muito.

 Cesare Pavese, A Lua e as Fogueiras, Colecção Mil Folhas, pp 7-8 



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Terça-feira, 29.11.11

Um discurso sobre a fragilidade da escrita:

A maior parte das pessoas não lê livros. Porém, canta e dança.

 

G. Steiner, O Silêncio dos Livros, Gradiva, p.9



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Terça-feira, 15.11.11

O inferno são os outros- disse Sartre.

E é sobretudo por isso que se usam óculos escuros.

Vergílio Ferreira, Pensar, Bertrand, p.190 



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Domingo, 13.11.11

Só quero lembrar
se o tempo for todo meu.

Só anseio lembrança
se não houver passado.

Bruma e espuma,
apagam o tempo em que não amei.

E eu amei
para ser tudo, todos, sempre.

Para te visitar
esquecerei a terra
e apagarei as estrelas.

E irei pelos teus olhos,
até o mundo voltar a ter princípio.

Sou eu, dirás,
E o tempo será lembrado.

Mia Couto. (2011). Tradutor de Chuvas. Lisboa. Caminho, pg. 102.



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Quarta-feira, 09.11.11

Daniel Dennett, filósofo norte-americano contemporâneo, é conhecido pelas suas investigações em filosofia da mente, filosofia do conhecimento e filosofia da biologia.

Através duma escrita precisa e clara torna acessível o conhecimento à generalidade dos leitores, ultrapassando o hermetismo que encontramos em outros. 

A Ideia Perigosa de Darwin é um bom exemplo. Há medida que avançamos na leitura, dificilmente escapamos à perigosa ideia que é Darwin. 
 

Se tivesse de atribuir um prémio à melhor ideia de sempre, o vencedor seria Darwin, à frente de Newton, de Einstein e de todos os demais.

 

Um livro que interroga as nossas crenças fundamentais. A ler com atenção.

  




publicado por omeuinstante às 10:00 | link do post

Quarta-feira, 02.11.11

passeou pelos espelhos dos dias

suas clandestinas alegrias

que mal se reflectiram desertaram

  

Ruy belo, Todos os Poemas I, Assírio & alvim

 



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Sexta-feira, 28.10.11

-Se há uma religião? Todos os dias de lua cheia, nós nos reunimos para dar graças a Deus, os homens num grande templo de cedro, as mulheres em outro, para evitar distracções, bem como todos os pássaros num bosque, e os quadrúpedes num belo prado. Agradecemos a Deus todos os bens que nos proporcionou. Temos principalmente papagaios, que pregam às mil maravilhas.

 

Voltaire, A Princesa da Babilónia

 




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Segunda-feira, 24.10.11

O medo, neste século, já não é um produto artesanal.

Os aviões bombardeiros

- ou, em tempo de paz, as falências imprevistas-

impressionam pela tecnologia posta em acção.
Hoje, passa-se fome de modo bem mais moderno

do que no século XVIII, por exemplo.

 

Gonçalo M. Tavares, Uma Viagem à Índia, Caminho, p. 155



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Domingo, 23.10.11

Há um país assim.

 

Nesta Cidade-Mundo

quem poderá entoar

um cântico de júbilo?

 

O real

       O manto da invenção

            Árvores de lágrimas

                Florestas de papel

                     Impotência tudo

 

Um desvalor

enche o nosso coração

 

Ana Hatherly, rilkeana, Assíro & Alvim, p. 71



publicado por omeuinstante às 16:46 | link do post

Quinta-feira, 20.10.11

Partindo de um episódio de guerra em Angola, António Lobo Antunes escreve Comissão das Lágrimas, livro denso e sombrio. Um canto  de espanto. Doloroso. 

 



publicado por omeuinstante às 10:00 | link do post

Terça-feira, 18.10.11

Quando a moça lhe estendeu a boca

( A idade da inocência tinha voltado,

Já não havia na árvore maças envenenadas),

Ele sentiu, pela primeira vez, que a vida era um dom fácil
De insuputáveis possibilidades.

 

Ai dele!

Tudo fora pura ilusão daquele beijo.

Tudo tornou a ser cativeiro, inquietação, perplexidade:

 

- No mundo só havia de verdadeiramente livre aquele beijo.

 

Manuel Bandeira, Poesias, Portugália, p. 39

 

 



publicado por omeuinstante às 13:00 | link do post

Quarta-feira, 12.10.11

Uma ocorrência feliz na sala de aula levou-me o pensamento para o livro, Como um Romance, do professor e escritor Daniel Pennac.

Que espantosos pedagogos nós éramos, quando não nos preocupávamos com a pedagogia.

 




publicado por omeuinstante às 14:50 | link do post

Segunda-feira, 10.10.11

Sabe-se. A economia cegou e engoliu o espaço da política e a turbulência cai, erradamente, nas costas da democracia. É urgente a reflexão sobre o político enquanto processo vibrante de posições antagónicas.

 

Hoje em dia a questão crucial é a de como estabelecer uma nova fronteira política, capaz de dar um verdadeiro impulso à democracia.

Segundo creio, isto exige a redefinição da esquerda como um horizonte em que as muitas lutas diferentes contra a sujeição possam encontrar um espaço de filiação. A noção de uma cidadania democrática radical revela-se fundamental, porque é susceptível de facultar uma forma de identificação que permita o estabelecimento de uma identidade política comum entre várias lutas democráticas.

Chantal Mouffe, O Regresso do Político, Gradiva.

 



publicado por omeuinstante às 20:10 | link do post

Sábado, 08.10.11

Há mulheres intensas na sua desafiante inquietude. A Isabel Xavier está entre elas. Em 2002 publica Catedral, livro de poemas onde se abrem itinerários de imenso sabor; e sabedoria.

Um belo livro de amor dito, pleno de arte de sentir o conhecimento. Para ler em passo lento, como quem caminha em terra estranha.

Capa e ilustrações do pintor Carlos Aurélio.

 

Eternidade

A eternidade que o tempo contempla

Do olhar da esfinge se desprende
Metade humana outra metade lembra
A metade divina que se estende

 

Pelas águas do Nilo que em seu leito afoga 

A penumbra mansa que seu sonho oculta

Ou pela areia do deserto onde se goza

O desterro de uma morte já adulta

 

E de tanto que viveu em morte sua
Seu segredo se assemelha à água clara

Do rio de prata que à noite solta a lua
Quando a alma se arrepia e se amortalha

 

Metade de Deus aqui a pressentimos
Já profana, distante, efémera e pouca
Trajecto que além nós, nós prosseguimos
Grito de dor da nossa voz já rouca

 

Volta de novo metade luz tão pura
A iluminar a terra ressentida
Metade sombra, clareira escura
Certeza em nós da verdadeira vida. 

 

(Parabéns, Isabel! Obrigada.)



publicado por omeuinstante às 15:00 | link do post

Terça-feira, 04.10.11

Da leitura da Porta Giratória de Mario Quintana.


Não é possível amizade quando dois silêncios não se combinam.

 


 



publicado por omeuinstante às 20:08 | link do post

Sábado, 01.10.11

Para a realidade humana, ser é escolher-se: nada lhe vem de fora, nem tão-pouco de dentro, que possa receber ou aceitar. Está inteiramente abandonada, sem auxílio de nenhuma espécie, à insustentável necessidade de se fazer ser até ao mais ínfimo pormenor. Assim, a liberdade não é um ser: é o ser do homem, quer dizer, o seu nada de ser. (...) O homem não pode ser ora livre, ora escravo; ele é inteiramente e sempre livre, ou não é.

Jean-Paul Sartre, O Ser e o Nada



publicado por omeuinstante às 12:30 | link do post

Quarta-feira, 28.09.11

No espaço de poucos minutos, éramos obrigados a bater em retirada e a abandonar a bacia de areia onde rolavam torvelinhos de espuma. O dançarino acompanhou-nos, e viemos a descobrir assim que não era nem louco nem mudo. (...) Estudara simultaneamente dança e escultura em Santiago, depois expatriara-se para os antípodas. O problema do tempo obcecava-o. A dança, arte do instante, efémera por natureza, não deixa vestígios e sofre de não poder enraizar-se em qualquer continuidade. A escultura, arte da eternidade, desafia o tempo e procura materiais indestrutíveis. Mas, com isso, é a morte que acaba por descobrir, porque o mármore possui uma evidente vocação funerária. Nas costas da Mancha e do Atlântico, Lagos (o dançarino) descobrira o fenómeno das marés governado pelas leis astronómicas. Ora a maré ritma os jogos do dançarino de praia, e ao mesmo tempo convida-o à prática de uma escultura efémera.

- As minhas esculturas de areia vivem, afirmava ele, e a prova é que morrem. É o contrário da estatuária dos cemitérios, eterna por não ter vida.

 

Michel Tournier, Uma Ceia de Amor

(Obrigada, Olga)



publicado por omeuinstante às 18:09 | link do post

Terça-feira, 06.09.11

O conto de Nikolai Gógol ( 1809-1852), o Retrato, narra a história de um quadro que desperta o desejo de agir de forma maléfica em todos os que entram em contacto com ele. A causa, uns olhos diabolicamente pintados que se revelam nocivamente vivos.
O jovem pintor, Tchartkov, adquire o quadro no Mercado Chiúkin, e, repentinamente, como se tivesse sido tocado por uma doença, troca o seu talento por uma vida supérflua e auto-destrutiva.
É, antes de tudo, um excelente exercício reflexivo sobre a arte e a vida; sobre os valores; sobre a duplicidade que existe em cada ser, mas que vive oculta nas profundezas da alma. 
Digo, uma narrativa apaixonante.

 



publicado por omeuinstante às 19:34 | link do post

Quarta-feira, 31.08.11

O livro de Maria Filomena Molder, O Químico e o Alquimista – Benjamin, Leitor de Baudelaire, abre a porta ao universo de Walter Benjamin.

O alquimista - o crítico-  é aquele que procura compreender intimamente a verdade da obra, enquanto que o químico é o comentador, uma "espécie de analista, decompõe um texto, no qual o crítico tenta reconhecer a vida", como a própria torna claro.

A primeira parte do livro prepara o leitor para a a compreensão da segunda, onde nos confrontamos com a leitura crítica benjaminiana de Baudelaire. 

A capa do livro apresenta um pormenor de um quadro do pintor belga James Ensor (1860-1949), um belo fogo de artifício que nos remete para a persistente metáfora do fogo. 
Um livro para ser lido sem pressa.
 

 

 





publicado por omeuinstante às 17:55 | link do post

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Sem a música, a vida seria um erro. Nietzsche
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