Acabo de ler, no Jl, o artigo de João Lobo Antunes sobre a evolução da Medicina Narrativa. Uma lição. Através duma escrita limpidamente emocional, acedemos à Nova Medicina que tem como centro o olhar sobre a vulnerabilidade humana. Acompanhando a narrativa da doença compreendemos a urgência em ver para lá das aparências e das máscaras dos sintomas.
Um artigo que salienta a necessidade de elevar o diálogo clínico àquela altitude que permite o olhar horizontal, olhos nos olhos, entre o médico e o doente. Da sua experiência cúmplice, retiramos o princípio: quanto mais vulnerável mais humano. Lembrando Camus, Lobo Antunes refere que a virtude da compaixão nasce quando falamos ao Outro com a voz com que falamos a nós própios.
Para contar e ouvir.
Não há direitos humanos sem a compreensão dos direitos dos outros, e é por estes que devemos lutar:
Porque todos os homens são naturalmente iguais; porque a pessoa humana tem uma dignidade essencial; porque os princípios éticos são anteriores às leis; porque a Justiça é, em qualidade, superior ao Direito. Porque é urgente que os Homens sejam tratados de forma igual na política e na vida social.
O utilitarismo de Stuart Mill proclama que a moralidade das acções depende da utilidade, isto é, das suas consequências. São morais as acções que respeitam o Princípio da Maior Felicidade, as que se traduzem por uma maior felicidade para o maior número possível de pessoas.
J. Rawls em Teoria da Justiça, critica o utilitarismo. Este excerto é disso exemplo.
Toda a pessoa possui uma inviolabilidade baseada na justiça, a qual não pode ser atropelada em nome do bem-estar do conjunto da sociedade.
Por esta razão a justiça proíbe que a perda de liberdade de alguns possa ser justificada pelo facto de que outros obtêm um maior bem-estar. Ela não permite que os sacrifícios impostos a uns poucos possam ser compensados pelo aumento dos benefícios obtidos por muitos.
Portanto, numa sociedade justa, as liberdades de igual cidadania consideram-se como definitivamente estabelecidas, os direitos assegurados pela justiça não estão sujeitos a negociações políticas, nem ao cálculo de interesses sociais.
A única coisa que nos permite assentir a uma teoria errónea é a falta de outra melhor; do mesmo modo uma injustiça só é tolerável quando ela é necessária para evitar outra injustiça ainda maior.
Sendo as primeiras virtudes das actividades humanas, a verdade e a justiça não podem estar sujeitas a transações.
Não há ética sem conflito, daí as instituições surgirem como filtro às acções humanas.
A liberdade é, antes de tudo, o direito à desigualdade.
Nicolau Berdiaev (1874-1948)
O homem moral não pára de ambicionar sempre uma perfeição maior. O lutar por um grau de virtude cada vez maior é da essência da atitude moral.(…).
É esta aspiração constante por mais e melhor, que se renova com cada progresso moral, que constitui a lei fundamental da atitude ética.
J. Hessen, Filosofia dos Valores, Studium, p. 295
A felicidade que se procura é a felicidade de cada um, sem dúvida, mas é uma conquista de todos.
Portanto a Ética exige a Política, exige a cidade e não o convento. Não vemos nada de estranho no facto de Aristóteles ter culminado a sua Ética com a Política. São como dois andares da de um mesmo edifício. E mais, da política sobressai a justiça como marca por excelência da Ética. Um filósofo francês concluiu que ser moral é não poder ser feliz sem que os outros também o sejam.
Javier Sádaba, Filosofia para um Jovem
Qualquer acto de amizade é acompanhado de um prazer secreto.
A ética é estar à altura daquilo que nos acontece...
Gilles Deleuze
O homem é o único animal que pode sentir-se aborrecido, que pode sentir-se expulso do Paraíso.
Erich Fromm
Uma das dificuldades que encontramos na abordagem da justiça consiste na relação entre a interioridade da pessoa e os efeitos visíveis das acções humanas. Esta dificuldade já é inerente à própria ética: para que uma acção ou uma atitude seja boa, não é suficiente ter uma intenção recta; ainda é preciso agir em conformidade com a intenção; reciprocamente, para ser eticamente boa, uma acção implica, também, que a intenção do agente seja recta. É possível que esta afirmação dupla não convença toda a gente.
Michel Renaud, Viver a Cidadania, Educar Hoje, vol VI, p.77
Vê moinhos são moinhos,
Vê gigantes são gigantes.
António Gedeão
Há uma ética do olhar, sim.
sophia de mello breyner andresen