Terça-feira, 30.09.14

 

para te manteres vivo - todas as manhãs

arrumas a casa sacodes tapetes limpas o pó e

o mesmo fazes com a alma - puxas-lhe brilho

regas o coração e o grande feto verde-granulado

 

deixas o verão deslizar de mansinho

para o cobre luminoso do outono e

às primeiras chuvadas recomeças a escrever

como se em ti fertilizasses uma terra generosa

cansada de pousio - uma terra

necessitada de águas de sons de afectos para

intensificar o esplendor do teu firmamento

 

passa um bando de andorinhões rente à janela

sobrevoam o rosto que surge do mar - crepúsculo

donde se soltam as abelhas incompreensíveis

da memória

 

luzeiros marinhos sobre a pele - peixes

que se enforcam com a corda de noctilucos

estendida nesta mudança de estação

 

Al Berto, Horto de Incêndio, Assírio & Alvim, p. 52



publicado por omeuinstante às 23:02 | link do post

Quinta-feira, 27.12.12

Todos os pássaros sossegaram.
As crianças desceram das árvores, guardaram os jogos, 
recolheram a casa. Levanto a cabeça e deixo a voz deambular 
por dentro deste silêncio de água e de estrelas.

A noite está próxima.

Deixo o corpo escorregar na poeira luminosa.
Acendo um cigarro, ponho-me a falar com o meu fantasma.

Longe daqui, a cidade enfeitou-se com os seus crimes de néon, 
com suas traições... ouço hélices de barcos, 
motores... quando um rosto esvoaça ao alcance da mão.

al berto



publicado por omeuinstante às 13:30 | link do post

Segunda-feira, 02.04.12

no marítimo lodo da fala fazem ninho

pássaros de sal com suas asas afiadas
sulcam
o susto de ficar sozinho
e a cabeça sibilante de uma libélula esvoaça
na visão dourada do sonho o tempo circular dos dedos
no corpo as mãos em movimento de esquecidos barcos
sobre vagas de poalha estelar onde naufragam
as palavras sem nexo e repetidos gestos
devasso percursos de entorpecidas praias
algures no estilhaço rubro dos mapas abandono
o que amei já não tem importância e regresso
ao isolamento onde a treva se enche de segredos e
a voz do mar acorda o dormente coração
do adolescente marinheiro que partiu para morrer

o sonho agarra-se ao sarro das velas e
a alba fustiga os vidros da janela onde
encostei a cara para chorar como as glicínias
regresso ao cais
com este lamento ao leme os pulsos cansados
pelo brilho cortante do sal aceso no vento que transporta
e agita as silentes sombras de feras longínquas
e perfura o sono e a gestação fantástica dos lírios

magoadas águas
reflectindo cicatrizes lancinantes de néons
o cais por fim o cais onde desembarcamos e
de nossos corpos não nos lembraremos mais

 

Al Berto




publicado por omeuinstante às 17:56 | link do post

Domingo, 16.10.11

Desconcertante é que tão grande tristeza caiba dentro de tão pequeno peito.
Às vezes morre-se tanto, e tão cedo.

Al Berto



publicado por omeuinstante às 20:00 | link do post

Segunda-feira, 01.08.11

e ao anoitecer adquires nome de ilha ou de vulcão 
deixas viver sobre a pele uma criança de lume 
e na fria lava da noite ensinas ao corpo 
a paciência o amor o abandono das palavras 
o silêncio 
e a difícil arte da melancolia

 

Al Berto



publicado por omeuinstante às 00:09 | link do post

Segunda-feira, 11.07.11

‎(...) Amanhã, ou enquanto dormes
- agora mesmo -, vou pensar em ti.
Intensamente: até que as horas me doam sobre a pele,
e o movimento dos dias passe como aves
que perdem o sentido do voo - até que tudo
o que me rodeia tome a forma do teu corpo.
E em mim circules - quando estendo a mão
por dentro da noite e te acordo,
no fogo dos meus olhos.

Al berto



publicado por omeuinstante às 10:00 | link do post

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Sem a música, a vida seria um erro. Nietzsche
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