Sófocles, poeta trágico grego (496 - 406 a.C) , traduz nas suas obras uma profunda reflexão sobre a condição humana eternizada através das suas personagens. Penso em Antígona, revisitando o belo poema escrito há mais de vinte e cinco séculos e, no entanto, com uma mensagem intensamente actual. Fala-nos de questões existenciais, daquelas que questionam o sentido da vida num horizonte de finitude e temporalidade. Uma personagem e um poema que se colam ao Ser.
De entre as muitas maravilhas do mundo, nenhuma
É comparável ao Homem.
Percorre o mar encrespado pelo vento sul,
Cruza o abismo bramante das vagas,
Atormenta a Mãe dos deuses, a Terra Soberana,
A Imortal, a Inesgotável,
Ano após ano a revolve
Rasgando sulcos ao ritmo lento das suas mulas.
Os animais emplumados e ligeiros,
As feras selvagens e os habitantes do mar,
A todos captura nas malhas das suas redes,
Este inventor de manhas e ardis!
Atrai às suas armadilhas a caça grossa dos montes,
subjuga e doma o dorso áspero do corcel,
Põe canga no poderoso touro dos montes.
Inventou a palavra, o ágil pensamento,
As leis e os costumes,
Aprendeu a abrigar-se dos grandes frios e das chuvas.
Génio universal que nada surpreende,
Só da morte não ilude a hora certa,
Ainda que por vezes tenha sabido retardá-la.
Senhor de uma inteligência assaz fecunda,
É seduzido tanto pelo bem como pelo mal,
Combinando a justiça eterna e as leis da Terra.
Mesmo o mais poderoso governante é banido da cidade
Se, na sua criminosa audácia, se insurge contra a lei.
Esse, perverso, não terá jamais lugar
Nem no meu lar, nem no meu coração.
Muitas coisas terríveis há,
mas nenhuma mais terrível que o homem.
Sófocles, Antígona
O dramaturgo grego Sófocles escreveu grandes peças - Ajax, Antígona, Rei Édipo - de dimensão e acção psicológicas. De muitas outras, conhecem-se apenas os títulos e alguns fragmentos.
Introduziu profundas alterações na técnica teatral passando pelo número de coreutas e pelo terceiro actor.
Sófocles reflecte, insistentemente, sobre a condição humana e a busca da felicidade.
A Tragédia Antígona, estreada no século de Péricles, mantém-se actual: Antígona vive a contradição entre obedecer à Lei ou lutar pela Justiça.
O tempo não apaga o fascínio desta personagem.
Hémon - (...) Mas um homem prudente não se envergonha de colher ensinamentos, ou de não ser intransigente em demasia. Vê como, no Inverno, nas margens das torrentes, aumentadas pela chuva, as árvores cedem para salvar os ramos. Se resistissem, acabariam arrancadas pela raiz. Assim sucede ao que, seguro de si, mantém tensa a escota da nave, sem manobra, pois fará o resto da travessia de quilha para o ar. Portanto, não teimes no teu rigor, e admite a possibilidade de mudares de propósito.
Sófocles, Antígona, Editorial Verbo, p 30.
sophia de mello breyner andresen