Sim, há um país que não esquece. Sim, há um país que quer Humberto Delgado.
Chaves, Maio de 1958. Humberto Delgado em campanha eleitoral.
Imagem encontrada em "Grupo Cidade de Chaves", FB.
(Obrigada, pai, por estares ali tão perto...)
Nas horas baças que pedem um novo renascer, volto-me na direcção do "sítio geográfico vital gravado nos cromossomas". Gesto que me faz sentir, repito-o, que as fragas são firmes, as árvores nascem, a lua é bela, os homens são promessas. "E sinto Paz".
Não sei se vês, como eu vejo.
Pacificado,
Cair a tarde
Serena
Sobre o vale,
Sobre o rio,
Sobre os montes
E sobre a quietação
Espraiada da cidade.
Nos teus olhos não há serenidade
Que o deixe entender.
Vibram na lassidão da claridade.
E o lírico poema que me acontecer
Virá toldado de melancolia,
Porque daqui a pouco toda a poesia
Vai anoitecer.
Miguel Torga
Chaves, 6 de Setembro de 1986
Como vai sendo hábito, o meu Agosto finda em Chaves entre a montanha e o olhar. Desta vez, as honras da casa vão para o belíssimo Forte de São Francisco, um edifício do século XVII, exemplarmente recuperado, e que é actualmente um monumento nacional. No seu interior, a igreja de S. Francisco acolhe os visitantes num silêncio secreto e conspirador. Um lugar encantatório.
Chaves, A feira dos Santos.
(...)
Ainda me lembro muito bem de tudo quanto se passou quando fui, pela primeira vez, a este importante mercado anual. Foi minha avó quem fez questão, afim de que eu fosse.
- É preciso que o meu néto aprecie, desde criança, o que de melhor, neste género tem a nossa terra. Além disso, quero que êle conheça os parentes…
Deveria eu então contar pouco mais de oito anos. Como facilmente se presume, desde que tive conhecimento da boa nova, ardia em ansia por que o dia 31 de outubro chegasse.
O Domingos, como já tinha ido a Chaves, informava-me, pormenorisadamente de tudo. A veiga era imensa, cortada de muitas estradas e caminhos em várias direcções. O rio Tamega, ali no vale, parecia muito mais largo; estendia-se por aqueles lindos campos fóra; dividia a vila em dois bairros e passava por baixo duma ponte muito antiga e muito comprida. As ruas eram empedradas e por elas transitava muito povo e corriam os carros de cavalos. Havia um grande número de casas comerciais, onde se vendiam bonitos brinquedos, fatos, lenços bordados, violas, macacos de chumbo, etc.
- Ah! Chaves é a terra maior que há por estes sitios, afirmava o Domingos, rejubilando com a minha ansia de vêr todas essas cousas de que êle me falava.
(...)
Que imensidade de povo por todas as estradas e caminhos, que em várias direcções, cortam a extensa veiga! – Adiante e atraz do nosso pachorrento carro de bois, só se via gente: era uma caudalosa corrente de sêres vivos; uma enorme multidão que rugia, se movimentava, que coleava e caminhava, sussurrando, até se ir esconder lá em baixo, na entrada principal da vila, entre os muros altos dos primeiros edificios.
Até este dia, nunca eu vira tanto pôvo! Tudo me causava admiração e espanto!...
[...].
Sem dúvida, era Chaves a terra mais bonita destes sitios, ainda mais bonita do que m’a descrevêra o Domingos..
[...].
Como a ponte era grande e brilhavam e fulgiam ao sol as águas do Tamega, que, mansamente, corriam entre as margens alvacentas de areia!
A montante e a juzante, o horisonte alargava-se esplendoroso, até aos contrafortes das serranias, que rodeiam o vale, e o rio espraiava-se por entre os campos luxuriantes, de cujos muros nos sorriam as flôres outônais e as árvores ajoujadas de frutos.
Além da ponte, chegámos ao Largo do Arrabalde, um dos principais pontos da feira anual.
[...].
RIBEIRA, João da [pseud. do P.e João Vaz d’Amorim, pároco de Bouçoães (Bouçoais)] – Pelos Povoados da Serra (Aspectos Portugueses). Chaves, Tip. e Papelaria Mesquita, 1935, pp. 157-171
Obrigada, Manuel Carlos Patrício.
Há itinerários de paixão.
Se os olhos também sonham, há neles poética suficiente.
Há instantes em que se compreende que há metafísica bastante em não pensar em nada.
Com o olhar sobre Chaves. Porque gosto, porque sinto. Porque sim!
Soutelinho da Raia, Chaves. Fotografia de Fernando Ribeiro.
Fotografia de Fernando Ribeiro (2010) Chaves
Há na memória um rio onde navegam
Os barcos da infância, em arcadas
De ramos inquietos que despregam
Sobre as águas as folhas recurvadas.
Há um bater de remos compassado
No silêncio da lisa madrugada,
Ondas brancas se afastam para o lado
Com o rumor da seda amarrotada.
Há um nascer do sol no sítio exacto,
À hora que mais conta duma vida,
Um acordar dos olhos e do tacto,
Um ansiar de sede inextinguida.
Há um retrato de água e de quebranto
Que do fundo rompeu desta memória,
E tudo quanto é rio abre no canto
Que conta do retrato a velha história.
Saramago, Retrato do Poeta quando Jovem, in Os Poemas Possíveis, Caminho, Lisboa, 1981, 3ª edição
Quando lançamos um olhar ao Passado, chamamos aflitivamente pelo Futuro.
Chaves. Fotografia de Fernando Ribeiro
sophia de mello breyner andresen