Sempre que, prestes a sucumbir ao mórbido do desalento, toco estas fragas, todas as energias perdidas começam de novo a correr-me nas veias. É como se recebesse instantaneamente uma transfusão de seiva. Sei, contudo, que o prodígio não aconteceria sem a força amorosa do meu apelo, que as virtudes terapêuticas da fonte estão também na certeza da sede de quem bebe. (…) E quando chegar o dia em que a debilidade do ânimo seja tanta que já não consiga sequer confiar no valor do condão? Finos, os antigos, entenderam logo de entrada que o fabuloso não é mais do que a realidade aureolada. Que basta um homem ficar com a vontade tolhida para que Héracles – um dos muitos disfarces da morte – o vença irremediavelmente.
Miguel Torga, Diário XI, 1943
sophia de mello breyner andresen