"E, contudo, somos feitos de tempo, lavrados instante a instante pelos seus instrumentos: conhecemos idades, estações, tempos mensuráveis e incontáveis, formas visíveis e invisíveis de tempo."
" Somos o instante que se prolonga. Somos o duro desejo de durar, e isso não é senão tempo, duração. Mas há uma sabedoria do tempo a redescobrir. O tempo não é apenas tempo. O tempo é uma arte (...).
José Tolentino Mendonça (31 de Dezembro de 2015)
Mantinha um fascínio indeciso
uma impressão capaz de proteger
tanto a ordem como a rebeldia
sozinha perante pedidos
agitações e escombros
desligada há muito de motivos
José Tolentino Mendonça, Baldios, Assírio & Alvim, pág. 72
como viveremos no esquecimento
se perdemos repentinamente a profundidade dos campos
os enigmas singulares
a claridade que juramos conservar.
mas levamos anos a esquecer alguém
que apenas nos olhou
José Tolentino de Mendonça
Quietos fazemos as grandes viagens
só a alma connvive com as paragens
estranhas
lembro-me de uma janela
na Travessa da Infância
onde seguindo o rumor dos autocarros
olhei pela primeira vez
o mundo
não sei se poderás adivinhar
a secreta glória que senti
por esses dias
só mais tarde descobri que
o último apeadeiro de todos
os autocarros
era ainda antes
do mundo
mas isso foi depois
muito depois
repito.
José Tolentino Mendonça
Os versos
Os versos assemelham-se a um corpo
quando cai
ao tentar de escuridão a escuridão
a sua sorte
Nenhum poder ordena
em papel de prata essa dança inquieta.
José Tolentino Mendonça, Baldios, Assírio & Alvim, 1999, p9
Antes de dar um saltinho à praia da Serra-del-Rei, precavi-me com bóias de salvação.
Apoderei-me de José Tolentino Mendonça. Sem tergiversar.
Era alguém pronto a começar qualquer destino
palavra a palavra esquecia
histórias formas a natureza
e assim de novo se dispunha amá-las
com um amor tão grande
tão grande
a inocência da flecha que propaga
nos bosques o desconhecido
um corpo face ao extenso perigo
"só tenho medo se ficar por aqui
demasiado perto"
a glória, sabes, é uma dor
que por vezes
a doçura esconde
José Tolentino Mendonça, Baldios, Assírio & Alvim ( pág 33)
sophia de mello breyner andresen