Descrição
De acordo com Byung-Chul Han, uma das mais inovadoras vozes filosóficas surgidas na Alemanha, o Ocidente está a tornar-se uma sociedade do cansaço.
Segundo este autor germano-coreano, qualquer época tem as suas doenças características. Houve uma época bacteriana, que terminou com a descoberta dos antibióticos. A época viral foi ultrapassada através das técnicas imunológicas, apesar dos periódicos receios de uma pandemia gripal.
O início do século XXI, do ponto de vista patológico, seria sobretudo neuronal. A depressão, as perturbações de atenção devidas à hiperactividade e a síndroma do desgaste profissional definem o panorama atual.
" (...) a história humana, embora velha de milénios, quando comparada às enormes tarefas que estão diante de nós, talvez tenha apenas começado. Na verdade, aqueles que não partilham a sua riqueza arriscam-se a partilhar a miséria alheia."
Norberto Bobbio, A Era dos Direitos
"No ensaio de abertura de um dos seus ensaios mais famosos, "A tentação de existir", o filósofo (Cioran) lamenta que a vida moderna se tenha distanciado tanto do quietismo, da contemplação e das formas sapienciais da passividade."
(fotografia de maria do céu prudêncio)
Certo! A escola pública de qualidade é a única que garante igualdade de oportunidades.
"Os impostos que pagamos são para manter um ensino público que garanta da melhor forma possível um princípio base das democracias europeias: a igualdade de oportunidades"
"Essa liberdade de escolha de que tanto se fala esbarra com a vontade dos colégios privados e com profundas desigualdades sociais. O Estado teria de superar essa falha privada, abrindo as portas a serviços públicos feitos apenas para os pobres. Resultado? Teríamos de ir até outros continentes menos desenvolvidos para os encontrar. Finalmente, os rankings mostram-nos que escola privada não significa melhor qualidade. Há de tudo. Todas as democracias, sem excepção, se debatem com os mesmos problemas e os vão resolvendo à sua maneira."
"E se parássemos para pensar?" Teresa de Sousa (29/05/2016)
O dia é alto quando na mesa nada espera que não seja poesia.
António Ramos Rosa
A Água
No café trazem-me um copo com água
como se ele resolvesse todos os meus problemas.
É ridículo — penso — não há saída.
No entanto, depois de beber a água
fico sem sede.
E a sensação exclusiva do organismo
acalma-me por momentos.
Como eles sabem de filosofia — penso —
e regresso, logo a seguir, à angústia.
Gonçalo M. Tavares
8 de Junho de 1903 - 17 de Dezembro de 1987
E é por isso que, no fundo, não tenho por mim mesma mais do que um interesse limitado. Tenho a impressão de ser um instrumento através do qual passaram correntes, vibrações. Isto é válido para todos os meus livros e direi mesmo que para toda a minha vida. Talvez para todas as vidas; e os melhores de nós talvez não sejam, também eles, mais que cristais trespassados. Assim, a propósito dos meus amigos, vivos ou mortos, repito-me muitas vezes a frase admirável que me disseram ser de Saint-Martin, “o filósofo desconhecido” do século XVIII, tão desconhecido de mim que nunca li uma linha dele e nunca verifiquei a citação: “Há seres através dos quais Deus me amou.” Tudo vem de mais longe e vai mais longe que nós. Por outras palavras, tudo nos ultrapassa e sentimo-nos humildes e maravilhados por termos sido assim trespassados e ultrapassados.
Marguerite Yourcenar, De Olhos Abertos
"A decência manda que ninguém obtenha um emprego devido a uma injustiça, ainda que não tenha culpa nenhuma. Ninguém deve ser beneficiário de um erro grosseiro:"
xiii
2
Recordar não tem conteúdo vivencial.
(...)
3
Seria possível pensar a seguinte situação:uma pessoa recorda-se, pela primeira vez na
sua vida, duma casa e diz "Agora já sei o que é recordar, o que é que recordar me faz".
- "Como é que ela sabe que este sentimento é"recordar"? Compara: "agora já sei o que é
ser-se picado (acabava de receber pela primeira vez um choque eléctrico).
- Sabe ela que esta sensação é recordar, por ter sido provocada pelo passado?
E como é que ela sabe o que é o passado? O homem aprende o conceito de passado ao recordar.
(...)
L. Wittgenstein, Investigações Filosóficas, F. C. Gulbenkian, p. 609
Antes o vôo da ave, que passa e não deixa rasto,
Que a passagem do animal, que fica lembrada no chão.
A ave passa e esquece, e assim deve ser.
O animal, onde já não está e por isso de nada serve,
Mostra que já esteve, o que não serve para nada.
A recordação é uma traição à Natureza,
Porque a Natureza de ontem não é Natureza.
O que foi não é nada, e lembrar é não ver.
Passa, ave, passa, e ensina-me a passar!
Poemas Completos de Alberto Caeiro, Companhia Aguilar Editora, 1965, p. 224
Biblioteca Luso-Brasileira - Série portuguesa
para te manteres vivo - todas as manhãs
arrumas a casa sacodes tapetes limpas o pó e
o mesmo fazes com a alma - puxas-lhe brilho
regas o coração e o grande feto verde-granulado
deixas o verão deslizar de mansinho
para o cobre luminoso do outono e
às primeiras chuvadas recomeças a escrever
como se em ti fertilizasses uma terra generosa
cansada de pousio - uma terra
necessitada de águas de sons de afectos para
intensificar o esplendor do teu firmamento
passa um bando de andorinhões rente à janela
sobrevoam o rosto que surge do mar - crepúsculo
donde se soltam as abelhas incompreensíveis
da memória
luzeiros marinhos sobre a pele - peixes
que se enforcam com a corda de noctilucos
estendida nesta mudança de estação
Al Berto, Horto de Incêndio, Assírio & Alvim, p. 52
Excelente artigo de Isabel Lucas, no Público de hoje. Sabe bem lê-lo e partilhá-lo.
"Uma das características tradicionais do que se chamava ‘intelectual’ era abanar os conformismos e ir contra o bom senso, aquilo em que se acredita, os clichés, a mesmice." José Gil
“Os intelectuais erram, já erraram muitas vezes, mas faz parte”, diz Rui Ramos. “Havia uma frase muito representativa do que era isso e que está ligada a uma característica difícil de definir, o carisma, que é integrante de um intelectual: dizia-se que era melhor errar com Sartre do que estar certo com Aron [Raymond Aron, 1905-1983, intelectual de direita, ao contrário de Sartre, autor do livro O Ópio dos Intelectuais, uma reflexão sobre o poder].” Os erros de Sartre, de Foucault, o apoio à revolução islâmica do ayatollah Khomeini, em 1979, ou o anti-semitismo de Céline são lembrados também por Pedro Mexia e António Pinho Vargas. “A ideia é errar melhor”, afirma Delfim Sardo. “Para pensar, temos de nos distanciar”, insiste Maria Filomena Molder. Estar perto do poder é não conseguir olhá-lo dessa forma. Não é impossível a relação entre pensador e poder. Mas é complicada a partir do momento em que comece a toldar o espírito crítico.”
Somos todos prisioneiros do labirinto do Tempo. Um sufoco, que urge viver. É este o paradoxo de que se alimentam os homens. É esta a aventura humana.
A nossa situação é a de Teseu caminhando às escuras num labirinto a que o fio de nenhum amor conduzirá ao lugar vazio de um Minotauro inexistente. O apocalipse não nos vem do exterior. Somos nós quem o transporta.
Eduardo Lourenço, O Espelho Imaginário
O Universo é feito essencialmente de coisa nenhuma.
Intervalos, distâncias, buracos, porosidade etérea.
Espaço vazio, em suma.
O resto, é a matéria.
Daí, que este arrepio,
este chamá-lo e tê-lo, erguê-lo e defrontá-lo,
esta fresta de nada aberta no vazio,
deve ser um intervalo.
António Gedeão
Não o prazer, não a glória, não o poder: a liberdade, unicamente a liberdade.
Fernando Pessoa, Livro do Desassossego.
As cidades mencionadas por Marco Polo a Kublai Khan têm todas nomes de mulher. Por culpa dos espelhos, parei em Valdrada, cidade edificada nas margens de um largo lago. Uma viagem sem acessórios, porque, aqui, e em todas as cidades descritas por Italo Calvino, o viajante necessita apenas de si mesmo. Cidade sem lugar nem tempo, mas onde a universalidade da linguagem (poética) transporta a humanidade toda.
Requisito único: na imaginação, a liberdade...
Um livro mágico. Não me canso de o ler.
III
As cidades e os olhos. 1.
Os antigos construíram Valdrada nas margens de um lago com casas todas varandas umas por cima das outras e ruas altas que fazem assomar à água os parapeitos em balustre. Assim o viajante ao chegar vê duas cidades: uma direita sobre o lago e uma reflectida de pernas para o ar. Não existe nem acontece coisa numa Valdrada que a outra Valdrada não repita, porque a cidade foi construída de modo a que todos os seus pontos fossem reflectidos pelo seu espelho, e a Valdrada na água contém não só todas as estrias e os remates das fachadas que se elevam por cima do lago mas também o interior das casas com os tectos e pavimentos, a perspectiva dos corredores, os espelhos dos armários.
Os habitantes de Valdrada sabem que todos os seus actos são ao mesmo tempo esse acto e a sua imagem especular, a que pertence a especial dignidade das imagens, e esta sua consciência proíbe-os de se abandonarem por um só instante ao acaso e ao esquecimento.
(...)
(A capa desta edição da Teorema - reprodução do quadro de Bruegel, A Torre de Babel)
Há palavras que requerem uma pausa e silêncio.
Herberto Helder, Poesia Toda, Assírio & Alvim, pág. 285
O comum é o nome de um pensamento ainda por vir, apelo e convocação de um novo internacionalismo, de um novo pacto ou aliança em torno do que nos é comum, seja ele um desejo ou uma aspiração ao que ainda virá, seja ele uma ameaça ou intimação que teremos de enfrentar e que teremos necessariamente de enfrentar com diferentes, com outras figuras do colectivo - com um outro pensamento da comunidade. Mas comum como um comum por vir, não poderá querer uma identidade comum, não quer dizer o idêntico, a unificação ou uma identificação com uma substância ou uma essência dada, como uma matéria ou corpo colectivo, na qual aquilo que somos ou podemos ser se encontra fundido, dissolvido, moldado, apropriado. O comum seria, antes de mais e primeiro que tudo, indício e sinal da nossa finitude comum, do facto de que podemos, com aqueles com quem não temos nada em comum, ter pelo menos isso em comum.
A República Por Vir (pág. 17)
(coordenação Rodrigo Silva e Leonor Nazaré)
Há metáforas que são mais reais do que a gente que anda na rua.
Bernardo Soares, Livro do Desassossego
Com uma extraordinária riqueza de meios empregues o número de estúpidos activos é grande. A variedade de formas que a estupidez mostra, o requinte e a complexidade que consegue, torna-a fascinante e inesgotável. Floresce de inspiração a estreiteza mental, proporcionando crescimento demográfico seguro e estável.
A Asserção Estúpida em Geral é a ferramenta ideal para a sistematização do estreitamento mental. A Asserção Estúpida em Geral tem como ponto de contacto com o todo, o comum de todas as coisas: uma dupla característica, o dualismo.
Qualquer frase cujo conteúdo ou modo de expressão prime por expressar a estupidez do seu autor e, por outro, contribuir para estreitar a mente de quem as leve a sério.
Como complemento e para uma sistematização mais profunda, teremos que falar da Estupidez Implícita, de aspecto mais subterrâneo, daí a sua profundidade, que exerce a sua acção e influência no entupimento da inteligência sem que o observador externo se aperceba disso directamente. Engloba todos os casos em que a estupidez não se revela francamente mas está implícita, quase invisível. A grande estupidez brotará na sua plenitude como resultado dum longo e ruminado processo na profundeza íntima da psique.
sophia de mello breyner andresen