Neste verão escaldante por que passa a escola pública, a voz independente do bispo das Forças Armadas é uma lufada de ar fresco. Salienta, numa entrevista, em 2011, a raíz do mal que assola o país: O problema é civilizacional, porque é ético. De novo, faz afirmações incómodas (Este Governo é profundamente corrupto) mas tão verdadeiras que levam Marcelo Rebelo de Sousa a questinar o método e não a substância. Risível, este Marcelo domingueiro.
Longe vão os tempos em que escutavamos, na Universidade do Porto, de modo atento, a voz rouca e intensa do então professor de Filosofia Medieval.
Obrigada, professor Januário Torgal Ferreira.
Miguel Torga, pseudónimo do médico Adolfo Correia Rocha, não escolhe por acaso o seu pseudónimo literário. Torga é uma planta transmontana, urze das serranias, com raízes fortes que a fixam às fragas e penedos áridos das montanhas.
A poesia de Torga retrata uma ligação profundamente solitária do Homem à Terra.
Ler Torga é respirar a memória da terra-berço, e qualquer coisa dentro de mim se acalma...
Poesia-chão, sentida na caligrafia da solidão...
Serra!
e qualquer coisa dentro de mim se acalma...
Qualquer coisa profunda e dolorida,
Traída,
Feita de terra
e alma.
Uma paz de falcão na sua altura
A medir as fronteiras:
Sob a garra dos pés a fraga dura,
E o bicho a picar estrelas verdadeiras...
Miguel Torga, Diário II
Sem a memória, o coração ficaria vazio.
Em qualquer paisagem, em qualquer recinto onde abarcam os olhos, o número de coisas visíveis é praticamente infinito, mas nós só podemos ver, em cada instante, um número muito reduzido delas.
Todo o ver é, pois, olhar; todo o ouvir, um escutar e, em geral, toda a nossa capacidade de conhecer é um foco luminoso, uma lanterna que alguém, posto atrás dela, dirige a um ou outro quadrante do Universo, repondo sobre a imensa e passiva face do cosmos aqui a luz, ali a sombra.
Adaptado de Ortega y Gasset, Coração e cabeça.
A Persistência da Memória, Salvador Dali (1931)
sophia de mello breyner andresen