Que é que muda em nós quando mudamos? Uma forma diferente de sermos o mesmo. As vagas do mar. Um céu que se descobre. A pele que se enruga. O ângulo do olhar.
Vergílio Ferreira, Pensar, Bertrand, p. 90
Há dias, no i, li o artigo de José de Faria Costa sobre "infobesidade". Ontem, nas Caldas da Rainha, Manuel Maria Carrilho dissertou sobre o tema Pensar o Mundo. Dois momentos distintos, mas a mesma ânsia de procura de sentido e a necessidade de definir com rigor os conceitos com que exercemos o espaço comunicacional e público; político, portanto. Une-os o relevo que ambos colocam na necessidade de nos interrogarmos sobre o exercício de pensar; e de pensarmos efectivamente o mundo.
Enquanto José de Faria Costa argumenta sobre o lado bom do acesso fácil e rápido à informação e sobre a necessidade de colocar a reflexão sobre o que é bom para termos pessoas a pensar, Manuel Maria Carrilho apresenta o tempo presente como lugar do mutante antropológico e de seres que sabem sem aprender, bastando-lhes para tanto clicar.
Se a sociedade actual é repassada de pessoas multitarefas e de doses de informação em massa, então urge salientar o primado da interrogação reflexiva sobre tudo mas sem nunca perdermos a noção de que o infinito do pensar se não coaduna com o finito das nossas próprias capacidades intelectuais.
E não nos deixemos morrer de overdose de informação; e de cliques.
São várias as tonalidades do pensar de Vergílio Ferreira. Oferece-nos, no seu embate com o mundo, o fundamento incognoscível de nós; e a sua mutabilidade.
Faz sentir que a palavra é um impossível ou chega sempre tarde, porque não decide do originário em si mesmo mas dos arranjos que a tornam apresentável.
O impensável ou indiscutível subjaz portanto a todo o pensar e, para além dele, ao sentir, e para lá do sentir, ao substracto do que os infinitos possíveis em nós possibilitaram. E é sobre isso que se determina o nosso equilíbrio interno, harmonizado pela nossa liberdade.
O que é que muda em nós quando mudamos? De idade, de condição, às vezes mesmo de um local? Podem manter-se os mesmos valores, ideologia, relação com a vida. E, todavia, aí mesmo, alguma coisa pode mudar.É a mudança que se opera no indizível de nós, onde mora a organização disso tudo, ou seja, o equilíbrio disso tudo. Os valores reordenam-se numa outra ordenação, num outro escalonamento, num modo diverso de os perspectivarmos. Os valores podem permanecer, mas não na face que era a sua ou o lugar que era o seu. E com isso em nós a porção de alma que lhe demos. Ou a aceleração do ritmo da nossa excitação. Não se entenderá assim que a mesma obra seja diferente como a arrumação diferente dos móveis de uma sala? Porque uma obra é o que é, mais o modo de a fazermos ser o que nela somos nós. Mas esse modo é o que ela é afinal. Que é que muda em nós quando mudamos? Uma forma diferente de sermos o mesmo. As vagas do mar. Um céu que se descobre. A pele que se enruga. O ângulo do olhar.
Vergílio Ferreira, Pensar, Bertrand Editora, pp 88-89
Nada a fazer. Hoje apetece-me Pensar com Vergílio.
O intelectual. Que tipo. Será uma espécie em vias de extinção? Ele é o inútil, o complicado, o chato.
(...)
Sugeria alguém que se suprimisse a filosofia do curso dos liceus. Há lá coisa mais compreensível? O filósofo, imagine-se. O das minhoquices.(...)
Para quê um romance que nos chateia com a maçada de "pensar"? Pensar o quê, se a vida é já tão maçadora?(...) E os poetas, esses loucos mansos que não farão mal a ninguém mas nos atrapalham o trânsito?
(...)
Há todavia um pequeno pormenor maçador e é que a própria humanidade sofre com isso também uma baixa por tabela. É esquisito mas é assim.
Porque se não fossem esses chatos, a história dos humanos era apenas a pocilga com apenas talvez uma variedade de feitio.
Vergílio Ferreira, Pensar, Bertrand, 1992, p 94
Ser inteligente é ser um desgraçado. O imbecil é feliz.
Mas o animal também.
Vergílio Ferreira, Pensar, Bertrand, 1992, p23
Fala baixo. Não te estafes a falar alto.
Deixa que os outros se esfalfem até ficarem calados. Falar alto é compensar o que em ideias é baixo.
E essa é a compensação dos que escutam.
Não te esforces a falar alto. Serás ouvido quando os outros se esfalfarem e já não tiverem voz.
Como o que se ouve num recinto depois que o comício acabou.
Vergílio Ferreira, Pensar, Bertrand Editora, 1992, pp247
A obra de Saramago contribui para o combate da "cegueira" que atravessa a sociedade portuguesa.
Acho que na sociedade actual nos falta filosofia. Filosofia como espaço, lugar, método de refexão, que pode não ter um objectivo determinado, como a ciência, que avança para satisfazer objectivos.
Falta-nos reflexão, pensar, precisamos do trabalho de pensar, e parece-me que, sem ideias, não vamos a parte nenhuma.
sophia de mello breyner andresen