Estamos rodeados de ruído. Da imagem à palavra, é audível a deformidade em que nos afogamos no excesso de tudo; uma catadupa de impressões, que fere a inteligência de qualquer ser. Um aborrecimento, portanto. Vem a propósito lembrar Kierkegaard: o aborrecimento é a raiz de todo o mal.
Quem acredita?
Mitigar: do latim “tornar suave, aliviar”. Logo, tornar menos penoso, reduzir as consequências.
Existir. É tudo o que me pode acontecer. Contingência absoluta. Sem razão, o Nada. Porque hoje é um dia qualquer. Mas, e não por fraqueza, bom, para visitar Bouville.
Apesar da linguagem, a comunicação de Pedro Passos Coelho anuncia mais austeridade. Um discurso que esmaga o direito dos portugueses ao presente e os reduz a abstracções numéricas.
Há muito que sabemos que o problema da fala é de ordem política e ética: falar, é falar verdade para si e para a Pólis. Outras latitudes, onde a linguagem se revela um “acontecer possibilitante”.
Entre os gregos tudo dependia do povo, e o povo dependia da fala.
Fénelon, Carta à Academia, IV.
Não há direitos humanos sem a compreensão dos direitos dos outros, e é por estes que devemos lutar:
Porque todos os homens são naturalmente iguais; porque a pessoa humana tem uma dignidade essencial; porque os princípios éticos são anteriores às leis; porque a Justiça é, em qualidade, superior ao Direito. Porque é urgente que os Homens sejam tratados de forma igual na política e na vida social.
A política é o único caminho para a resolução da crise económica. O método? A Educação.
Neste verão escaldante por que passa a escola pública, a voz independente do bispo das Forças Armadas é uma lufada de ar fresco. Salienta, numa entrevista, em 2011, a raíz do mal que assola o país: O problema é civilizacional, porque é ético. De novo, faz afirmações incómodas (Este Governo é profundamente corrupto) mas tão verdadeiras que levam Marcelo Rebelo de Sousa a questinar o método e não a substância. Risível, este Marcelo domingueiro.
Longe vão os tempos em que escutavamos, na Universidade do Porto, de modo atento, a voz rouca e intensa do então professor de Filosofia Medieval.
Obrigada, professor Januário Torgal Ferreira.
No espaço vazio do tempo presente, preciso de um fio de silêncio e da melodia da chuva ausente. De um passeio a pé pela Foz. E de um verso bom lido em voz baixa.
Apontamento gnómico de um dia lusco-fusco: o preço da verdade é elevado.
Para trocar ideias é preciso haver pensamento. É hora de fazer política.
Pergunta de um aluno hoje na aula: professora, para quê visitar autores tão distantes de nós, do nosso tempo e cultura?
Pelo interesse histórico e pelo prazer de conhecer ( aspecto não muito valorizado...) ideias de outros tempos mas que influenciam o nosso presente.
Como bem diz Italo Calvino, autor aqui várias vezes citado, porque um clássico é um livro que nunca acabou de dizer o que tem a dizer.
Para Nietzsche a linguagem é uma estrutura de dissimulação. No entanto, se soubermos cultivar a arte da paciência, a verdade- redonda, sempre redonda-chega-nos através da manifestação do ser das coisas. Refiro-me à verdade pessoal, a única que se pode assumir como absoluta.
A prática de verbalizar um problema como forma de o resolver é antiga. Há séculos que se reconhece à palavra o poder de desocultar verdades essenciais e, portanto, a sua utilidade é uma espécie de clínica verbal. Também desde sempre se distinguiu, pela separação, o bom e o mau uso da palavra. Mas, paradoxalmente, bem cedo se descobrem as virtudes do silêncio. Nasce o si-mesmo secreto.
Com a entrada de Freud em cena, os segredos são transformados em conceitos e estudados através da verbalização metódica: comunique tudo o que se passa na sua auto-observação, com a suspensão de todas as críticas lógicas e afectivas. Com Freud, com a cultura ocidental, o inconsciente passou a ser verbalizado em ruptura com o lugar do silêncio e do não-dizível.
Estas considerações aceleradas surgem ao final do dia, momentos depois de revisitar o filme Um Método Perigoso.
Vitória de François Hollande em França.
A linguagem não serve apenas para expressar a realidade. Transforma-a.
1º de Maio de 2012. Portugal. Mais um ensaio sobre o individualismo contemporâneo. Mais um rasgão neste país estilhaçado. Lutar por comida e não por direitos. Gestos que nos inscrevem no centro da Era do Vazio.
Como é hábito, passarei pela Feira do Livro de Lisboa. Acrescento dois autores à lista que me acompanhará no intenso périplo que todos os anos actualiza este ritual:
O Teu Rosto Será o Último, de João Ricardo Pedro; Nobreza de Espírito- Um Ideal Esquecido e Eterno Retorno do Fascismo, de Rob Riemen.
Rotinas primaveris que renovam, em cada ano, o desejo de permanecer no sentido das palavras.
Quanto tempo Portugal vai estar assim? Uma pergunta humanista que resulta da colocação de dilemas morais do presente. Dilemas do homem comum, não da classe dirigente. Hoje, no Público.
A pergunta só é crucial para alguns, não é para todos e é por isso que (...) só é uma pergunta para quem não vive bem, ou vive cada vez pior.
(...)
O resultado é um abismo psicológico cada vez maior que vai tornar Portugal numa sociedade ainda mais dual do que já era, duas partes que sentem diferente, agem diferente e vivem diferente.
Numa sociedade já muito descalçada e fragmentada, este abismo entre pessoas e grupos sociais vai coalescer os fragmentos, um para cada lado, mas não os vai aproximar.
(...)
É por isso que anda um Portugal lá fora desiludido, revoltado, deprimido, sem esperança, nem sentido, que, ou cai na mais completa anomia e submissão, ou esbraceja sem sentido contra tudo e contra todos. É a grande tragédia da política democrática é que essas pessoas estão sós, não contam com ninguém a não ser com os restos que ainda subsistem de genuina solidariedade social, e do que sobra da família, estilhaçada pela engenharia " fracturante" das últimas décadas. A elite dirigente, política e económica, sabe pouco desse sentimento de solidão, e, pior ainda, sabe cada vez menos, porque os modos de vida se separam todos os dias, entre o conforto do poder e a devastação da pobreza. O rasgão que isto está a fazer num Portugal já muito puído será muito difícil de remendar.
José Pacheco Pereira. Historiador.
A imensidão do universo suscita, insistentemente, perguntas pelo sentido da existência. Logo a nós, que somos uma extravagância do universo. Impressões recebidas duma Segunda-feira de mansas nuances.
Bem diz João Carlos Silva na obra Também Aqui Moram Os Deuses: é no Homem que o Universo morde a cauda.
No tempo parado, há um embate de vozes reais no espelho imaginário em que nos vemos; vozes do esquecimento e da memória.
Em cada domingo, arrastamos o corpo até à alma.
Nas cidades, nas ruas, dentro de nós. Nas tormentas do tempo.
Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.
O céu parece baixo e de neblina,
O gás extravasado enjoa-me, perturba-me;
E os edifícios, com as chaminés, e a turba
Toldam-se duma cor monótona e londrina.
Batem os carros de aluguer, ao fundo,
Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!
Ocorrem-me em revista, exposições, países:
Madrid, Paris, Berlim, Sampetersburgo, o mundo!
(...)
Cesário Verde, O Sentimento de um Ocidental.
sophia de mello breyner andresen