Há em mim um sossego de infância e de província.
Por entre o frio das estrelas fixas,
Procuro entender a natureza das andorinhas.
Em segredo cúmplice com os sentidos.
Somente renovando a língua é que se pode renovar o mundo. (...) A língua serve para expressar ideias; mas a língua corrente expressa apenas clichés e não ideias; por isso está morta e o que está morto não pode engendrar ideias.
João Guimarães Rosa, in Língua de Tradição e Língua técnica, Passagens.
Há dias assim. Caminhamos pela dúvida até ao limite, exagerando. Como em Descartes, a consciência vai resistindo, servindo de ponto de partida para algumas certezas. O problema são as impressões quotidianas, algumas vezes mais fortes que as ideias.
É um facto, Nietzsche enlouqueceu, Hölderlin endoideceu, Rilke não conseguiu entrar com o seu corpo no poema, Virginia Woolf suicidou-se, Spinoza acabou silenciando-se, Kafka foi apanhado a tempo por uma tuberculose galopante, Pessoa foi-se degradando no alcoolismo, Kierkgaard acabou triste e só. Nestas coisas, não há hereditariedade, mas há permanência do vórtice vibratório.
Maria Gabriela Llansol
A maior desgraça de uma nação pobre é que em vez de produzir riqueza, produz ricos.
Mas ricos sem riqueza.
Na realidade, melhor seria chamá-los não de ricos mas de endinheirados.
Rico é quem possui meios de produção.
Rico é quem gera dinheiro e dá emprego.
Endinheirado é quem simplesmente tem dinheiro ou que pensa que tem.
Porque, na realidade, o dinheiro é que o tem a ele.
A verdade é esta: são demasiados pobres os nossos "ricos".
Aquilo que têm, não detêm.
Pior: aquilo que exibem como seu, é propriedade de outros.
É produto de roubo e de negociatas.
Não podem, porém, estes nossos endinheirados usufruir em tranquilidade de tudo quanto roubaram.
Vivem na obsessão de poderem ser roubados.
Necessitavam de forças policiais à altura.
Mas forças policiais à altura acabariam por lança-los a eles próprios na cadeia.
Necessitavam de uma ordem social em que houvesse poucas razões para a criminalidade.
Mas se eles enriqueceram foi graças a essa mesma desordem (...)
Mia Couto
Quando lançamos um olhar ao Passado, chamamos aflitivamente pelo Futuro.
Chaves. Fotografia de Fernando Ribeiro
O belo é sempre um excesso de existência.
Simone Weil diz no seu diário de fábrica que Pensar é ir devagar.
Mas em cada tempo, o Homem está encarcerado em normas de velocidade que o comprimem em lugares aquém da existência.
Fábricas. Ausência da consciência de ter direitos.
Quanto mais sabemos sobre o Homem, mais ele se torna misterioso.
sophia de mello breyner andresen