Era uma vez ..."um Rei" - dirão logo os meus gentis ouvintes. Exactamente, desta vez adivinharam. Era uma vez o último rei de Itália, Vítor Manuel III, que partiu para o exílio quando a Segunda Guerra Mundial acabou. Tinha fama de possuir escassa cultura humanística e interessava-se principalmente pelos problemas económicos e militares, embora fosse coleccionador apaixonado de moedas antigas. Conta-se que um dia teve de inaugurar uma exposição de pintura. Ao chegar diante de um quadro com uma belíssima paisagem, que representava um vale com uma aldeia alcandorada na encosta de uma colina, contemplou-o demoradamente e depois, voltando-se para o director da exposição, perguntou: " Quantos habitantes tem a aldeia?"
Umberto Eco, Seis Passeios nos Bosques da Ficção, Difel, pp 81
Há pedaços de leituras que suspendem e esbatem fronteiras entre a ficção e a realidade.
Consequências do contrato - ficcional - que o leitor estabelece com o autor.
Aceitar a presença de personagens ficcionais e seguir o seu rasto, de texto para texto, liberta-as da história que as criou. E permite que o leitor as re-invente aumentando-lhes realidade.
E servem de terapia contra o sono da razão.
Andar pelo bosque é como andar à procura da verdade. Perdemo-nos sempre.
Há duas maneiras de passear num bosque. Uma é experimentar um ou vários caminhos (...); a segunda é caminhar de modo a descobrir como o bosque é e por que são acessíveis certas veredas, e outras não.
Eco, Umberto, Seis Passeios nos Bosques da Ficção, Difel, p. 33.
sophia de mello breyner andresen