O Teatro da Rainha estreou no dia 4 de Outubro o espectáculo O Estranho Corpo da Obra.
Estive lá. Entrei sem grandes instrumentos hermenêuticos para decifrar esta excelente viagem aos bastidores da escrita do dramaturgo inglês Martim Crimp. Ainda assim, agarrei-me, de forma consistente, às palavras do encenador Fernando Mora Ramos onde descobri alguns marcadores deste novo território narrativo. Mas sem volta a dar, a escrita permanece sempre um corpo estranho.
Frente ao público, desfilam palavras, tensas, que se transformam em actos vividos e, por eles, acedemos ao mundo conflituoso da classe média burguesa, aos seus narcisismos e frustações. Como refere Mora Ramos, o teatro de Crimp é um verdadeiro Cavalo de Tróia crítico e cruel, cómico, no interior das consciências e do sistema burguês parlamentar" representativo" que serve o financismo. Confirma-se, estamos todos encurraladas: o escritor, o encenador, os actores e cada um dos espectadores. Crimp tem muita razão: Nada expõe com tanta nudez um texto como o palco (...).
Nada expõe com tanta nudez um texto como o palco (...).
Martin Crimp
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O austríaco Thomas Bernhard (1931-1989) foi escritor, poeta e dramaturgo. Inventou a palavra Dramoletes - comparação com a palavra omeleta, refeição rápida - para se referir às suas peças breves. Nesta designação está incluído o conjunto de sete peças curtas onde o tempo é, igualmente, conciso e parado.
O Teatro da Rainha tem em cena Dramoletes 1/ O Coveiro: o título do primeiro dramoletes é Match - retrato do deserto intimista de um casal; Mês de Maria - realce da eficácia do boato, da intriga e da relações xenófobas; Um Morto - exposição da palavra sussurrada, mas visível, sobre o que não deve ser dito - a morte da humanidade, dos seus valores. Em todas estas peças, a técnica da repetição cria densidade e conhecimento no espectador.
Através deste género, Thomas Bernhard desmascara o alemão comum e o nazismo que persistiu nas instituições e nas mentalidades, já em plena democracia.
Grandes interpretações dos actores da Rainha. A não perder.
sophia de mello breyner andresen