(...) Direis: o magistrado fará, com as forças de que dispõe, o que julgar ser da sua alçada. Dizeis bem, responderei eu. Mas, aqui, investiga-se o modo como bem agir e não o êxito das coisas duvidosas.
Mas, vindo mais ao pormenor, digo: em primeiro lugar, o magistrado não deve tolerar nenhum dogma oposto e contrário à sociedade humana ou aos bons costumes necessários à conservação da sociedade civil. Mas tais exemplos são raros em qualquer igreja. Com efeito, os dogmas que claramente arruínam os fundamentos da sociedade são condenados pelo juízo do género humano; nenhuma seita levaria a loucura ao ponto de julgar que se devem ensinar dogmas em virtude dos quais os próprios bens, a paz e a reputação não estariam em segurança.
Em segundo lugar, um mal certamente mais escondido e mais perigoso para o Estado é constituído por aqueles que se arrogam, para eles e para a sua seita, um privilégio particular e contrário ao direito civil, que cobrem e disfarçam com discursos especiosos. Em lado algum, praticamente, encontrareis pessoas a ensinar crua e abertamente que não é necessária a fidelidade à palavra dada; que o príncipe pode ser afastado do trono por qualquer seita e que o governo de todas as coisas só a eles pertence. (...) Estas pessoas e outras semelhantes, que atribuem aos fiéis, aos religiosos, aos ortodoxos, isto é, a elas próprias, nas coisas civis, algum privilégio e algum poder de que o resto dos mortais não dispõe; ou que reivindicam para si, sob pretexto de religião, certos poderes sobre os homens estranhos à sua comunidade eclesiástica, ou que dela de qualquer maneira se separaram, estas pessoas não podem ter o direito de ser toleradas pelo magistrado; nem também os que não querem ensinar que é preciso tolerar os que entram em dissidência relativamente à sua própria religião. Que outra coisa ensinam estas pessoas e todos os da sua espécie senão que, na melhor ocasião, tentarão usurpar os direitos do Estado, os bens e a liberdade dos cidadãos?
Locke, Carta Sobre a Tolerância, trad. João da Silva Gama, Lisboa, Edições 70, 1996, pp. 116-117
O que é um fanático?
Escutemos as palavras de Amos Oz.
Lembro-me hoje de uma velha história, em que um dos personagens, obviamente em Jerusalém - onde mais seria? - está sentado num pequeno café e há uma pessoa idosa a seu lado. Eles iniciam uma conversa e ele chega à conclusão de que quem está sentado do outro lado da mesa é Deus. E ele tem uma pergunta para fazer a Deus, uma pergunta muito urgente, é claro. Diz: Caro Deus, por favor, diga-me, de uma vez por todas, quem tem a fé certa? Os católicos romanos, os protestantes, ou talvez os judeus, ou serão os muçulmanos? Quem tem a fé correcta? E Deus responde, nesta história: Para lhe dizer a verdade, meu filho, não sou religioso, nunca fui, nem sequer interessado em religião.
Amos Oz, Contra o fanatismo
As diferenças (entre culturas) não implicam necessariamente conflito e o conflito não implica necessariamente violência.
Samuel Huntington
Há sempre estranheza quando os indivíduos pertencentes a uma cultura contactam com outra diferente da sua.
Nos nossos dias continuam visíveis atitudes etnocêntricas, embora se reconheçam ilhas de interculturalidade.
Ultrapassemos regionalismos. Dialoguemos como cidadãos do mundo.
É urgente a prática diária da tolerância.
Este não é o caminho.
sophia de mello breyner andresen