cadências, que são dobras solidárias.
até dentro da pele.
as aves migram
calmamente. eu
permaneço aqui.
Vasco Graça Moura, Poesia 1963/1995
Soneto do Amor e da Morte
quando eu morrer murmura esta canção
que escrevo para ti. quando eu morrer
fica junto de mim, não queiras ver
as aves pardas do anoitecer
a revoar na minha solidão.
quando eu morrer segura a minha mão,
põe os olhos nos meus se puder ser,
se inda neles a luz esmorecer,
e diz o nosso amor como se não
tivesse de acabar, sempre a doer,
sempre a doer de tanta perfeição
que ao deixar de bater-me o coração
fique por nós o teu inda a bater,
quando eu morrer segura a minha mão.
Vasco Graça Moura, in Antologia dos Sessenta Anos
Vita Nuova é considerada uma "obra menor". Menos extensa ou menos relevante? Sabemos que ao longo século XIII só o Amor divino podia ser verbalizado, mas em Vita Nuova há uma porta aberta para o dizer do Amor humano e profundamente terreno. Um texto inovador, portanto.
Amor e coração são uma cousa,
ditar do sábio posto na canção,
nem ser assim um sem o outro ousa,
como alma racional sem a razão.
Fá-los natura em tempo de amorosa,
o Amor dono, e a casa o coração,
dentro da qual dormindo se repousa
às vezes curta ou longa a estação.
Em sábia dama surge a formusura
e tanto praz aos olhos que vem pôr
no coração desejo do que apraz;
e esse desejo nele tanto dura
que desperta o espírito do Amor.
E assim nobre varão em dama faz.
Vasco Graça Moura, A Vita Nuova de Dante Alighieri, Bertrand, pág 73.
sophia de mello breyner andresen