Que é que muda em nós quando mudamos? Uma forma diferente de sermos o mesmo. As vagas do mar. Um céu que se descobre. A pele que se enruga. O ângulo do olhar.
Vergílio Ferreira, Pensar, Bertrand, p. 90
Em poucas palavras, Vergílio Ferreira estica a corda até à fronteira do pensamento: por que razão filosofamos?
Porque nos assola o sentido da existência; porque a nossa inadaptação, essencial, desperta a tarefa de pensar. A morte, lugar de toda a filosofia.
Não, a morte não é um "acidente de percurso". Percurso para onde? Não há mais percurso nenhum. Ela é apenas, com o nascer, o enquadramento de uma vida, que é o intervalo solar de duas noites que a limitam. Mas se só houvesse luz, a luz não existia. Pensa a noite para conhecer a exaltação do dia. Que há de mais importante para a vida do que saber que há a morte? Filosofar é prepararmo-nos para ela. Disse-o Sócrates. Disse-o Cícero. Di-lo tu também, que também és gente.
Vergílio Ferreira, Pensar
O vocabulário do amor é restrito e repetitivo, porque a sua melhor expressão é o silêncio. Mas é deste silêncio que nasce todo o vocabulário do mundo.
Vergílio Ferreira
O vocabulário do amor é restrito e repetitivo, porque a sua melhor expressão é o silêncio. Mas é deste silêncio que nasce todo o vocabulário do mundo.
Vergílio Ferreira
Gostaria de escrever um poema e não sei de quê.
Há em mim uma inquietação como se para nascer
um grande gesto, uma ideia, o visível do que se não vê.
Mas não nasce, não se vê, nasce apenas o prazer
desta vaga melancolia que em si mesma consiste
e tem o gosto de ser triste
sem o ser.
Vergílio Ferreira
O inferno são os outros- disse Sartre.
E é sobretudo por isso que se usam óculos escuros.
Vergílio Ferreira, Pensar, Bertrand, p.190
São várias as tonalidades do pensar de Vergílio Ferreira. Oferece-nos, no seu embate com o mundo, o fundamento incognoscível de nós; e a sua mutabilidade.
Faz sentir que a palavra é um impossível ou chega sempre tarde, porque não decide do originário em si mesmo mas dos arranjos que a tornam apresentável.
O impensável ou indiscutível subjaz portanto a todo o pensar e, para além dele, ao sentir, e para lá do sentir, ao substracto do que os infinitos possíveis em nós possibilitaram. E é sobre isso que se determina o nosso equilíbrio interno, harmonizado pela nossa liberdade.
O que é que muda em nós quando mudamos? De idade, de condição, às vezes mesmo de um local? Podem manter-se os mesmos valores, ideologia, relação com a vida. E, todavia, aí mesmo, alguma coisa pode mudar.É a mudança que se opera no indizível de nós, onde mora a organização disso tudo, ou seja, o equilíbrio disso tudo. Os valores reordenam-se numa outra ordenação, num outro escalonamento, num modo diverso de os perspectivarmos. Os valores podem permanecer, mas não na face que era a sua ou o lugar que era o seu. E com isso em nós a porção de alma que lhe demos. Ou a aceleração do ritmo da nossa excitação. Não se entenderá assim que a mesma obra seja diferente como a arrumação diferente dos móveis de uma sala? Porque uma obra é o que é, mais o modo de a fazermos ser o que nela somos nós. Mas esse modo é o que ela é afinal. Que é que muda em nós quando mudamos? Uma forma diferente de sermos o mesmo. As vagas do mar. Um céu que se descobre. A pele que se enruga. O ângulo do olhar.
Vergílio Ferreira, Pensar, Bertrand Editora, pp 88-89
Há um mistério em tudo que nos faz sinais.
Vergílio Ferreira
Nada a fazer. Hoje apetece-me Pensar com Vergílio.
O intelectual. Que tipo. Será uma espécie em vias de extinção? Ele é o inútil, o complicado, o chato.
(...)
Sugeria alguém que se suprimisse a filosofia do curso dos liceus. Há lá coisa mais compreensível? O filósofo, imagine-se. O das minhoquices.(...)
Para quê um romance que nos chateia com a maçada de "pensar"? Pensar o quê, se a vida é já tão maçadora?(...) E os poetas, esses loucos mansos que não farão mal a ninguém mas nos atrapalham o trânsito?
(...)
Há todavia um pequeno pormenor maçador e é que a própria humanidade sofre com isso também uma baixa por tabela. É esquisito mas é assim.
Porque se não fossem esses chatos, a história dos humanos era apenas a pocilga com apenas talvez uma variedade de feitio.
Vergílio Ferreira, Pensar, Bertrand, 1992, p 94
Ser inteligente é ser um desgraçado. O imbecil é feliz.
Mas o animal também.
Vergílio Ferreira, Pensar, Bertrand, 1992, p23
Fala baixo. Não te estafes a falar alto.
Deixa que os outros se esfalfem até ficarem calados. Falar alto é compensar o que em ideias é baixo.
E essa é a compensação dos que escutam.
Não te esforces a falar alto. Serás ouvido quando os outros se esfalfarem e já não tiverem voz.
Como o que se ouve num recinto depois que o comício acabou.
Vergílio Ferreira, Pensar, Bertrand Editora, 1992, pp247
sophia de mello breyner andresen